REAA
– AS ORIGENS DO TESTAMENTO MORAL E FILOSOFICO
QUESTÕES DO TESTAMENTO MORAL E FILOSOFICO*
I - Quais são os vossos deveres para com Deus?
II - Quais são os vossos deveres para
com a Humanidade?
III - Quais são os vossos deveres para
com a Pátria?
IV - Quais são os vossos deveres para
com a Família?
V - Quais são os vossos deveres para com
o próximo?
VI - Quais são os vossos deveres para
convosco?
*
Essas seis questões que geralmete são respondidas pelo candidato a ingresso na
Ordem Maçônica e em especial no REAA, não constavam dos rituais originais
criados no ano de 1804, pelo menos com esse mesmo teor.
O Ritual do Grau de Aprendiz editado em
1804, menciona um tal Testamento, porém, não explicita-o no bojo do mesmo.
Vejamos o que diz o referido ritual em
francês da época (1804):
“Le
Très Vénérable dit:
Frère
Expert, veuillez prendre de l’encre, une plume, du papier et transportez-vous
auprès du Profane, dites-lui que les épreuves qu’il va subir, étant très
dangereuses, il est prudent qu’il fasse son testament.
L’Expert
s’y rend et rentre, quand il croit que le testament
est fait, il va le chercher, l’apporte au Vénérable qui en fait donner lecture
à haute voix par l’Orateur.”
Essas questões foram inseridas
posteriormente não se sabe por quem, após a edição do livreto “Deveres do Homem” de autoria de
Giuseppe Mazzini.
Ressalte-se que não há a menção no
referido livreto da questão nº V.
GIUSEPPE MAZZINI
Giuseppe Mazzini (nascido em Gênova em
1805 e falecido em Pisa em 1872) foi o apóstolo da unidade e da independência
italiana, que deveriam ser conseguidas, uma e outra, por obra do povo e na
forma democrática da república. Animador incansável, dedicou a sua vida,
desperdiçada a maior parte em doloroso exílio, numa férvida pregação de idéias,
através do exemplo pessoal, de cartas e da atividade revolucionária de
associações nacionais e internacionais tais como a “Jovem Itália” (1831), a
“Jovem Europa” (1834), a “Liga Internacional dos Povos” (1847) e na “Associação
Nacional Italiana” (1848).
A concepção de Mazzini, alimentada por
um sentido profundamente religioso (daqui a conhecida fórmula “Deus e Povo”) e
aberta à questão social e aos novos problemas da emancipação dos operários,
supera de um lado os princípios individualísticos incluídos na Revolução
Francesa, afirmando a possibilidade do homem expandir a própria personalidade
somente na vida coletiva; e supera de outro lado o utilitarismo do século
XVIII, contrapondo a este uma visão inteiramente espiritual e moral da vida.
No pensamento mazziniano a nação, “livre
e una”, não é senão o natural e necessário degrau pelo qual o homem pode
alcançar, partindo do conceito de pátria, o superior da unidade substancial,
mesmo subsistindo os organismos nacionais, da família humana inteira. Ele,
portanto, indicou aos jovens não simplesmente a libertação da Itália e da
Europa, mas de todos os povos, como condição primordial da verdadeira
libertação do homem.
O pequeno volume Doveri dell’uomo — escrito em Londres no ano de 1860
e dedicado aos operários italianos num momento em que a pregação e ação
mazziniana estavam perdendo a sua imediata ressonância com relação à unidade e
independência italiana, que se realizava pela obra diplomática de Cavour.
Passaremos a narrar, ou melhor dizendo,
explicitar os temas (com os devidos texto) com que a Ordem Maçônica se utilizou
para fazer seu novo Testamento Moral e Filsofico.
Os itens (artigos) em que a Ordem
Maçônica pinçou do livreto Doveri dell’uomo, estão destacado em vermelho.
[...]
A origem dos vossos DEVERES está em Deus. A
definição dos vossos DEVERES está na sua Lei. O descobrimento progressivo e a
aplicação da Lei divina pertencem à Humanidade.
Deus existe. Não devemos nem queremos prová-lo:
tentá-lo parecer-nos-ia blasfêmia, como negá-lo loucura. Deus vive em nossa
consciência, na consciência da Humanidade, no Universo que nos circunda. Nossa
consciência invoca-o nos momentos mais solenes de dor e de alegria. A Humanidade
tem podido transformá-lo, ofendê-lo, jamais suprimir-lhe o santo nome. O
Universo manifesta-o com a ordem, a harmonia, a inteligência dos seus
movimentos e leis. Não existem ateus entre vós: se existissem seriam dignos não
de maldição, mas de piedade. Aquele que pode negar a Deus diante de uma noite
estrelada, diante da sepultura dos seus entes mais caros, diante do martírio, é
grandemente infeliz ou grandemente culpado. O primeiro ateu foi, sem nenhuma
dúvida, o homem que ocultara um delito aos outros homens e procurava, negando
Deus, livrar-se da única testemunha a quem não podia ocultá-lo e sufocar o
remorso que o atormentava: talvez um tirano que tivesse roubado com a liberdade
metade da alma aos seus irmãos e tentasse substituir a fé no Dever e no Direito
imortais pela adoração da Força Bruta. Há padres que prostituem o nome de Deus
aos cálculos da venalidade, ou ao terror dos poderosos; há tiranos que o
imposturam, invocando-o como protetor de suas tiranias; mas porque a luz do sol
nos chega muita vez ofuscada e prejudicada por obscuros vapores, negaremos o
sol ou o poder vivificador dos seus raios sobre o Universo? Porque da liberdade
os perversos podem às vezes fazer surgir a anarquia amaldiçoaremos a liberdade?
A fé em Deus brilha com luz imortal através de todas as imposturas e corrupções
que os homens reúnem em torno do seu nome. As imposturas e corrupções passam,
como passam as tiranias: Deus permanece, como permanece o POVO, imagem de Deus
na terra. Assim como o Povo, através da escravidão, sofrimentos e misérias,
conquista gradativamente consciência, força, emancipação, assim também o santo
nome de Deus surge das ruínas dos cultos corruptos para esplender circundado
por um culto mais puro, mais fervoroso e mais racional.
Por conseguinte, não vos falo de Deus para
demonstrar-lhe a existência, ou para dizer-vos que deveis adorá-lo: vós o
adorais, mesmo sem o chamardes, toda vez que sentis vossa vida e
a vida dos seres que vos cercam. Falo-vos de Deus para dizer-vos como
deveis adorá-lo, para advertir-vos de um erro que domina as mentes de
muitos homens das classes que vos dirigem ou, a exemplo deles, de muitos dentre
vós: erro tão grave e ruinoso quanto o é o ateísmo.
Esse erro é a separação, mais ou menos declarada,
de Deus da sua obra, da Terra sobre a qual deveis passar um período da vossa
vida.
“Venha à terra o reino de Deus, assim como no céu”.
Seja esta, meus irmãos, melhor entendida e aplicada do que no passado, a vossa
palavra de fé, a vossa prece. — Repeti-a e trabalhai para que se verifique. Deixai
que outros tentem persuadir-vos da resignação passiva, da indiferença pelas
coisas terrenas, da submissão a todo poder temporal embora injusto,
replicando-vos, mal entendida, esta outra palavra: “Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus”. Podem dizer-vos coisa que não seja de Deus?
Nada é de César, a não ser na medida em que é conforme à Lei Divina. César, ou
seja, o poder temporal, o governo civil, é apenas o mandatário, o executor, na
medida em que suas forças e os tempos o permitem, do desígnio de Deus: onde
trair o mandato, o vosso, não diremos direito, mas dever, é mudá-lo. Para que
estais na terra, senão para esforçar-vos por desenvolver com os vossos meios e
na vossa esfera o conceito de Deus? Para que professar que acreditais na
unidade do gênero humano, conseqüência inevitável da Unidade de Deus, se não
trabalhais para realizá-la combatendo as divisões arbitrárias, as inimizades
que ainda separam as diversas tribos que constituem a Humanidade? Para que acreditar
na liberdade humana, base da responsabilidade dos homens, se não nos
empenhamos em destruir todos os obstáculos que impedem a primeira e viciam a
segunda? Para que falar da Fraternidade, embora permitindo que os nossos irmãos
sejam diariamente conculcados, aviltados, desprezados? A terra é nossa oficina:
não devemos maldizê-la, mas santificá-la. As forças materiais que vemos ao
nosso redor são os nossos instrumentos de trabalho: não devemos repudiá-los,
mas dirigi-los para o bem.
Sem Deus, porém, não o conseguireis. Falei-vos de deveres;
ensinei-vos que não basta o conhecimento dos vossos direitos para
encaminhar-vos sempre para o bem; não basta que vos entregueis ao melhoramento
progressivo, contínuo, da vossa condição. Sem Deus, onde está o Dever? Sem
Deus, qualquer que seja o sistema civil que desejeis adotar, só tereis como
base a Força, cega, brutal, tirânica. Não há meio termo. Ou o desenvolvimento
das coisas humanas depende de uma lei providencial que todos nós temos o dever
de descobrir e aplicar, ou é obra do acaso, das circunstâncias do momento, do
homem que melhor souber valer-se delas. Ou devemos obedecer a Deus, ou servir
aos homens, a um ou a vários, pouco importa. Se não reina uma Mente suprema
sobre todas as mentes humanas, quem pode salvar-nos do arbítrio dos nossos
semelhantes, quando se acham mais poderosos do que nós? Se não existe uma lei
santa e inviolável, não criada pelos homens, que norma teremos para julgar se
um ato é justo ou injusto? Em nome de quem, em nome de quê protestaremos contra
a opressão e a desigualdade? Sem Deus, o único dominador é o Fato: o Fato,
diante do qual os materialistas sempre se inclinam, chama-se Revolução ou
Bonaparte; o Fato, no qual ainda hoje, na Itália e alhures, os materialistas se
escudam para justificar a inércia, mesmo onde concordam teoricamente com os
nossos princípios. Ora, pregar-lhes-emos o sacrifício, o martírio em nome das
nossas opiniões individuais? Mudaremos, em virtude somente dos nossos
interesses, o princípio abstrato em ação? Desenganai-vos. Enquanto falarmos
como indivíduos, em nome do que o nosso intelecto individual nos sugere,
teremos o que vemos hoje: adesão a palavras, e não obras. O grito que soou em
todas as grandes revoluções, o grito Deus o quer das Cruzadas, só pode
converter os inertes em ativos, dar ânimo aos timoratos, entusiasmo de
sacrifício aos calculistas, fé a quem repele com a dúvida todo conceito humano.
Provai aos homens que a obra de emancipação e de desenvolvimento progressivo
para a qual os concitais está no desígnio de Deus: ninguém se rebelará.
Provai-lhes que a obra terrestre a realizar-se está essencialmente ligada à sua
vida imortal: todos os cálculos do momento desaparecerão ante a importância do
futuro. Sem Deus, podeis impor, não persuadir; podeis ser igualmente tiranos,
não Educadores e Apóstolos.
Pregai em nome de Deus. Os letrados sorrirão:
perguntai-lhes, porém, que fizeram por sua pátria. Os sacerdotes vos
excomungarão: dizei aos sacerdotes que conheceis Deus melhor do que todos eles,
e que entre Deus e sua Lei não tendes necessidade de intermediários. O povo
entender-vos-á e repetirá convosco: “Cremos em Deus Padre, Inteligência e Amor,
Criador e Educador da Humanidade”. E com essas palavras, vencereis, vós e o
Povo.
[...]
IV
DEVERES PARA COM A HUMANIDADE
Os vossos primeiros deveres, primeiros não no
tempo, mas em importância, — e porque sem entendê-los só imperfeitamente
podereis cumprir os outros, — são os deveres para com a Humanidade. Tendes
deveres de cidadãos, de filhos, de esposos e de pais, deveres sagrados,
invioláveis, dos quais vos falarei pormenorizadamente mais adiante; mas, o que
torna sagrados e invioláveis esses deveres é a missão, o Dever, que a vossa
natureza de homens vos impõe. Sois pais para educar homens no culto e no
desenvolvimento da Lei de Deus, sois cidadãos, tendes uma Pátria, para poderdes
mais facilmente, numa esfera limitada, com o concurso de gente já ligada a vós
pelo idioma, pelas tendências, pelos costumes, agir em benefício dos homens que
existem e existirem, o que mal poderíeis fazer dispersos, isolados e fracos, no
imenso número dos vossos semelhantes. Os que vos ensinam moral, limitando a
noção dos vossos deveres à família ou à pátria, ensinam-vos, mais ou menos restrito,
o egoísmo, e vos conduzem ao mal para os outros e para vós mesmos. Pátria e
Família são como dois círculos inscritos dentro de um círculo maior; como dois
degraus de uma escada sem os quais não poderíeis subir mais alto, mas sobre os
quais não vos é permitido parar.
Sois homens: isto é, criaturas racionais, sociáveis
e capazes, por meio unicamente da associação, de um progresso a que ninguém
pode fixar limites; e é quanto sabemos, hoje, da Lei de vida dada à Humanidade.
Esses caracteres constituem a natureza humana, que vos distingue dos outros
seres que vos circundam e que é atribuída a cada um de vós como uma semente que
deve frutificar. Toda a vossa vida deve tender ao exercício e ao
desenvolvimento ordenado dessas faculdades fundamentais da vossa natureza.
Tereis descido entre os animais e violado a Lei de
Deus, toda vez que suprimirdes ou deixardes suprimir uma das faculdades que
constituem a natureza humana em vós ou em outrem. O que Deus quer é, não já que
sua Lei se cumpra em vós como indivíduos, — se Deus quisesse isso, ter-vos-ia
criado sós — mas que se cumpra na terra inteira, entre todos os seres que criou
à sua imagem. O que Ele quer é que a idéia de aperfeiçoamento e de amor por ele
posta no mundo se revele e resplandeça cada vez mais adorada e representada.
Vossa existência terrestre, limitadíssima como é em tempo e faculdades, só pode
representá-la imperfeitíssima e em lampejos. Só a Humanidade, contínua por
gerações e por inteligência, que se nutre da inteligência de todos os seus
membros, pode desenvolver aos poucos essa idéia divina, e aplicá-la e
glorificá-la. A vida, pois, vos foi dada por Deus para que a empregueis em
benefício da Humanidade, para que orienteis vossas faculdades individuais para
o desenvolvimento das faculdades dos vossos irmãos, para que acrescenteis com
vossa obra um elemento qualquer à obra coletiva de melhoramento e descoberta da
Verdade que as gerações promovem, lenta mas continuamente. Deveis educar-vos e
educar, aperfeiçoar-vos e aperfeiçoar.
Um povo, o grego, o polaco, o circassiano, surge
com uma bandeira de pátria e de independência, combate, vence ou morre por ela.
Que é que faz palpitar o vosso coração ante a narrativa das batalhas? Que é que
o consola na alegria das vitórias e o contrista na derrota? Um homem, vosso
compatriota ou estrangeiro, levanta-se, no silêncio comum, num recanto da
terra, emite algumas idéias, que julga verdadeiras, mantém-nas quando
perseguido e entre os cepos, e morre, sem renegá-las, no cadafalso. Por que o
honrais com o nome de santo e de mártir? Por que respeitais e fazeis respeitar
por vossos filhos a sua memória! Porque esses homens de dois mil anos atrás,
essas populações que hoje combatem longe de vós, esse mártir por cujas idéias
não morrestes, foram, são vossos irmãos: irmãos não somente por comunhão de
origem e de natureza, mas por comunhão de trabalho e de ideal. Esses gregos
antigos passaram; sua obra, porém, não passou, e sem ela não teríeis hoje o
grau de desenvolvimento intelectual e moral que alcançastes. Essas populações
consagraram, com o próprio sangue, uma idéia de liberdade nacional pela qual
combateis. Esse mártir ensinou, morrendo, que o homem deve sacrificar tudo e,
se for preciso, a própria vida ao que ele julga ser a Verdade. Pouco importa
que ele e tantos outros, que selam a fé com o próprio sangue, interrompam na
terra o próprio desenvolvimento individual; Deus provê além por eles. O que
importa é o desenvolvimento da Humanidade. O que importa é que a geração
vindoura surja, esclarecida por vossas pugnas e por vossos sacrifícios, mais
alta e mais poderosa do que vós na inteligência da Lei, na adoração da verdade.
O que importa é que, fortificada pelos exemplos, a natureza humana melhore e
verifique cada vez mais o desígnio de Deus sobre a terra. E, onde quer que a
natureza humana melhore, onde quer que se conquiste uma verdade, onde quer que
se dê um passo no caminho da educação, do progresso, da moral, esse passo, essa
conquista frutificará, mais cedo ou mais tarde, em toda a Humanidade.
Que distância entre essa crença que fermenta nas
nossas almas, e será base da moral da época que está por surgir, e a que davam
por base à sua moral as gerações que hoje chamamos de antigas! E como é
estreito o liame que passa entre a idéia que fazemos do Principado Divino e a que
fazemos dos nossos deveres! Os primeiros homens ouviram Deus, mas sem
entendê-lo, sem procurar sequer entendê-lo na sua Lei. Cristo pôs diante de sua
crença estas duas verdades inseparáveis: Há somente um Deus, e todos os homens
são filhos de Deus; e a promulgação dessas duas verdades mudou a face do mundo
e ampliou o círculo moral até aos confins das terras habitadas. Aos deveres
para com a família e a pátria, acrescentaram-se os deveres para com a
Humanidade. Então, o homem aprendeu que, onde quer que se achasse um seu
semelhante, aí estaria um irmão por ele, um irmão dotado de alma imortal como a
dele, chamada a reunir-se ao Criador; e que lhe devia amor, participação da fé
e auxílio de conselho e de obra onde houvesse necessidade. Então, pressentimento
de outras verdades contidas em germe no Cristianismo, ouviram-se na boca dos
Apóstolos palavras sublimes, ininteligíveis na antigüidade, deturpadas ou
traídas mesmo pelos sucessores: “Assim como num corpo existem muitos membros, e
cada membro com uma função diversa, assim também, embora muitos, nós somos um
corpo só, e membros uns dos outros. E haverá um só redil e um só pastor”. E
hoje, após dezoito séculos de estudos, de experiências e de fadigas, trata-se
de dar desenvolvimento a esses germes: trata-se de aplicar essa verdade, não
somente a cada indivíduo, mas a todo o conjunto de faculdades e forças humanas,
presentes como futuras, que se chama a Humanidade; trata-se de promulgar, não
só que a Humanidade é um corpo único, mas que o primeiro artigo dessa Lei é o
Progresso, progresso na terra onde devemos realizar, tanto quanto pudermos, o
desígnio de Deus e educar-nos para melhores destinos. Trata-se de ensinar aos
homens que, se a Humanidade é um corpo único, todos nós, como membros desse
corpo, devemos trabalhar pelo seu desenvolvimento e tornar-lhe a vida mais
harmônica, ativa e poderosa. Trata-se de convencer-nos de que só podemos
elevar-nos a Deus pelas almas dos nossos irmãos, e de que devemos melhorá-las e
purificá-las em quanto no-lo peçam. Trata-se, desde que só a Humanidade inteira
pode cumprir essa parte do desígnio de Deus que ele quer que se realize na
terra, de substituir o exercício da caridade para com os indivíduos por um
trabalho de associação tendente a melhorar o conjunto, e de preparar para tal
objetivo a família e a pátria. Outros deveres mais vastos nos serão revelados
quando adquirirmos uma idéia menos imperfeita e mais clara da nossa Lei de
vida. Assim, Deus Pai, por meio de uma lenta mas contínua educação religiosa,
guia para melhor a Humanidade, e nesse melhor a nossa individualidade melhora
igualmente.
Por conseguinte, irmãos, por dever e utilidade
vossa, jamais devereis esquecer que os vossos primeiros deveres, sem
cumprimento dos quais não podeis esperar cumprir os que a pátria e a família
impõem, são os deveres para com a Humanidade. Vossa palavra e vossa obra são
para todos, assim como para todos é Deus, no seu amor e na sua Lei. Em qualquer
terra que vos acheis, onde quer que um homem combata pelo direito, pelo justo,
pelo verdadeiro, aí tereis um irmão; onde quer que um homem sofra atormentado
pelo erro, pela injustiça, pela tirania, aí tereis um irmão. Livres e escravos,
sede todos irmãos. Uma é a vossa origem, uma a lei, um o fim para todos
vós. Seja uma a crença, uma a ação, uma a bandeira sob a qual militeis. Não
digais: “A linguagem que falamos é diversa”; as lágrimas, a ação, o martírio,
foram uma linguagem comum para todos os homens, que todos vós entendeis. Não
digais: “A Humanidade é vasta demais e nós somos muitos fracos”; Deus não mede
as forças, mas as intenções. Amai a Humanidade. A cada obra vossa no círculo da
Pátria ou da Família perguntai a vós mesmos: Se o que eu faço fosse feito por
todos, beneficiaria ou prejudicaria a Humanidade? Se a consciência vos responder:
“Prejudicaria”, desisti, mesmo quando vos parecer que da vossa ação possa
resultar uma vantagem para a Pátria ou para a Família. Sede apóstolos desta fé,
apóstolos da fraternização das Nações e da unidade, hoje admitida em princípio,
mas negada de fato, do gênero humano. Sede-o, onde puderdes e como puderdes.
Nem Deus nem os homens podem exigir mais de vós. Eu, porém, vos digo que, se
assim procederdes, — se assim procederdes, quando não o possais para com
outrem, para com vós mesmos, — beneficiareis a Humanidade. Deus mede os graus
de educação a que eleva o gênero humano pelo número e pela pureza dos crentes;
Quando fordes puros e numerosos, Deus, que vos conta, abrir-vos-á o caminho
para a ação.
V
DEVERES PARA COM A PÁTRIA
Os vossos primeiros Deveres, primeiros ao menos em
importância, são, como vos disse, para com a Humanidade. Sois homens, antes de
serdes cidadãos ou pais.
Mas, que pode cada um de vós, com suas forças
isoladas, fazer pelo melhoramento moral, pelo progresso da Humanidade? Podeis
exprimir, de vez em quando, esterilmente, a vossa crença; podeis realizar, uma
vez ou outra, para com um irmão não pertencente às vossas terras, uma obra de
caridade; e nada mais. Ora, a caridade não é a palavra da fé futura. A palavra
da fé futura é a associação, a cooperação fraternal para um objetivo comum, tão
superior à caridade quanto a obra de muitos dentre vós, que se unem para erguer
concordes um edifício para habitardes juntos, é superior à que realizaríeis erguendo
cada qual um casebre separado e limitando-vos a trocar uns com os outros o
auxílio de pedras, tijolos e cal. Mas, essa obra comum, vós, divididos por
idiomas, tendências, costumes, faculdades, não podeis tentá-la. O indivíduo é
demasiado fraco e a Humanidade demasiado vasta. Meu Deus, — suplica, ao zarpar,
o marinheiro da Bretanha — protegei-me: meu barco é tão pequeno e vosso Oceano
tão grande! E essa prece resumirá a condição de cada um de vós, se não se achar
um meio de multiplicar indefinidamente as vossas forças, a vossa capacidade de
ação. Esse meio, achou-o Deus para vós, quando vos deu uma Pátria, quando, como
um sábio diretor de trabalhos, distribuiu os diversos papéis de acordo com a
capacidade, repartiu a Humanidade em grupos, em núcleos distintos, sobre a face
do nosso globo, e lançou o germe das nações. Os maus governos contrariaram o
desígnio de Deus, que podeis ver claramente, pelo menos no que respeita à
Europa, nos cursos dos grandes rios, nas curvas das altas montanhas e nas
outras condições geográficas: contrariaram-no com a conquista, a avidez, a
inveja do justo poder alheio; contrariaram-no tanto que, hoje, fora da
Inglaterra e da França, talvez não haja nação cujos limites correspondam a esse
desígnio. É que não conheceram e não conhecem Pátria fora da própria família,
dinastia, egoísmo de casta. Mas o desígnio divino se realizará inevitavelmente.
As divisões naturais, as tendências inatas e espontâneas dos povos substituirão
as divisões arbitrárias sancionadas pelos maus governos. O mapa da Europa será
refeito. A Pátria do Povo surgirá, defendida pelo voto das livres, sobre as
ruínas da Pátria dos reis, das castas privilegiadas. Entre essas pátrias haverá
harmonia, fraternidade. E então, o trabalho da Humanidade pelo melhoramento comum,
pelo descobrimento e aplicação da própria lei de vida, repartido de acordo com
as capacidades locais e associado, poderá realizar-se por via do
desenvolvimento progressivo e pacífico: então cada um de vós, forte dos afetos
e dos meios de muitos milhões de homens que falam a mesma língua, dotados de
tendências uniformes, educados pela mesma tradição histórica, poderá esperar
beneficiar com a própria obra toda a Humanidade.
Sem Pátria, não tereis nome, nem senha, nem voto,
nem direitos, nem batismo de irmãos entre os povos. Sereis os bastardos da
Humanidade. Soldados sem bandeira, israelitas das Nações, não obtereis fé nem
proteção: não tereis fiadores. Não vos iludais em realizar, antes de
conquistardes uma Pátria, a vossa emancipação de uma injusta condição social:
onde não há Pátria, não há pacto comum para o qual possais apelar, reina
somente o egoísmo dos interesses, e quem tem predomínio o conserve, pois não há
tutela comum à própria tutela. Não vos seduza a idéia de melhorar, sem resolver
primeiro a questão nacional, as vossas condições materiais: não podeis
triunfar. Vossas associações industriais, as sociedades de mútuo socorro são
boas como obra educadora: como fatos econômicos, permanecerão estéreis enquanto
não tiverdes uma Itália. O problema econômico exige, principalmente, aumento de
capital e de produção; e, enquanto o vosso país estiver desmembrado em frações,
enquanto, separados por linhas aduaneiras e dificuldades artificiais de toda
sorte, só tiverdes mercados restritos diante de vós, não podereis esperar esse
aumento. Hoje — não vos iludais — não sois a classe operária da Itália: sois
frações dessa classe, impotentes, desiguais no grande objetivo que vos
propondes. Vossa emancipação só poderá iniciar-se praticamente quando um
Governo Nacional, compreendendo os sinais dos tempos, tiver inscrito, em Roma,
na Declaração de Princípios que será norma do desenvolvimento da vida italiana,
estas palavras: O trabalho é sagrado e é a fonte da riqueza da Itália.
Não vos desencaminheis, pois, empós de esperanças
de progresso material, que nas vossas condições de hoje não passam de ilusões.
Somente a Pátria, a vasta e rica Pátria Italiana, que se estende dos Alpes à
última terra da Sicília, pode realizar essas esperanças. Só podeis obter o que
é vosso direito, obedecendo ao que vos ordena o Dever. Mereceis e tereis. Meus
irmãos! Amai a Pátria. A Pátria é a nossa casa: a casa que Deus nos deu,
pondo-nos dentro de uma numerosa família que nos ama e que nós amamos, com a
qual podemos entender-nos melhor e mais rapidamente do que com outros, e que,
pela concentração sobre um dado território e pela natureza homogênea dos
elementos que possui, é chamada a um gênero especial de ação. A Pátria é a
nossa oficina: os produtos da nossa atividade devem dela transbordar em
benefício de toda a terra; mas, os instrumentos de trabalho que melhor e mais
eficazmente podemos manejar se encontram nela, e não podemos renunciar a eles
sem trair a intenção de Deus e sem diminuir as nossas forças. Trabalhando pela
Pátria, segundo os verdadeiros princípios, trabalharemos pela Humanidade: a
Pátria é o ponto de apoio da alavanca que devemos dirigir em proveito comum.
Perdendo esse ponto de apoio, correremos o risco de tornar-nos inúteis à Pátria
e à Humanidade. Antes de associar-nos com as Nações que compõem a Humanidade,
precisamos existir como Nação. Só há associação entre os iguais; e vós não
tendes existência coletiva reconhecida.
A Pátria é uma comunhão de livres e de iguais
irmanados em concórdia de trabalho para um fim único. Deveis fazê-la e mantê-la
como tal. A Pátria não é um agregado, é uma associação. Não há, pois,
verdadeira Pátria sem um Direito uniforme. Não há Pátria onde a uniformidade
desse Direito é violada pela existência de castas, privilégios, desigualdades.
Onde a atividade de uma porção das forças e faculdades individuais é cancelada
ou adormecida, onde não há princípio comum aceito, reconhecido, desenvolvido
por todos, não há Nação, nem povo, mas multidão, aglomeração fortuita de homens
que as circunstâncias reuniram, que circunstâncias diversas separarão. Em nome
do vosso amor à Pátria, combatereis sem tréguas a existência de todo
privilégio, de toda desigualdade sobre o solo que vos deu vida. Um só
privilégio é legítimo: o privilégio do Gênio, quando o Gênio aparece irmanado
com a Virtude; mas, é um privilégio concedido por Deus e não pelos homens — e,
ao reconhecê-lo, seguindo-lhe as inspirações, vós o reconheceis livremente,
exercendo vossa razão, vossa preferência. Qualquer privilégio que pretenda
vossa submissão em virtude da força, da herança de um direito que não seja
direito comum, é usurpação, é tirania que deveis combater e extinguir. A Pátria
deve ser o vosso Templo. Deus no vértice, um povo de iguais na base; não
tenhais outra fórmula, outra Lei moral, se não quiserdes desonrar a Pátria e a
vós mesmos. As Leis secundárias que devem continuamente regular vossa vida
devem ser a aplicação progressiva dessa Lei Suprema.
E, para que o sejam, é necessário que todos
contribuam para fazê-las. As leis feitas por uma única fração de cidadãos só
podem, por natureza das coisas e dos homens, refletir o pensamento, as
aspirações e os desejos dessa fração: representam, não a Pátria, mas um terço,
um quarto, uma classe, uma zona da pátria. A lei deve exprimir a aspiração geral,
promover a utilidade de todos, responder ao palpitar do coração nacional. A
Nação inteira deve ser, pois, direta ou indiretamente, legisladora. Cedendo a
alguns homens essa missão, substituís pelo egoísmo de uma classe a Pátria que é
a união de todas.
A Pátria não é um território; o território é apenas
a base. A Pátria é a idéia que surge sobre aquele; é o pensamento de amor, o
senso de comunhão que reúne num só todos os filhos desse território. Enquanto
um só dentre os vossos irmãos não estiver representado pelo próprio voto no
desenvolvimento da vida nacional; enquanto um só vegetar ineducado entre os
educados; enquanto um só, desejoso de trabalho, definhar sem trabalho na
miséria, — não tereis a Pátria como devereis tê-la, a Pátria de todos, a Pátria
para todos. O voto, a educação, o trabalho, são as três colunas fundamentais da
Nação; não descanseis enquanto não estiverem, por obra vossa, solidamente
levantadas.
A política da Pátria basear-se-á, por obra vossa,
na adoração aos princípios, e não na idolatria do Interesse e da Oportunidade.
A Europa tem países nos quais a Liberdade é sagrada no interior, mas
sistematicamente violada no exterior. Povos que dizem: Uma coisa é a Verdade,
outra a Utilidade; uma coisa é a teoria, outra coisa é a prática. Esses países
expiarão sua culpa, e por muito tempo, inevitavelmente, no isolamento, na
opressão e na anarquia. Vós, porém, sabeis qual é a missão da nossa Pátria e
seguireis outro caminho. Para vós, a Itália terá, assim como um só Deus nos
céus, uma só verdade, uma só fé, uma só norma de vida política sobre a terra.
No edifício que o povo da Itália erguerá mais sublime do que o Campidoglio e o
Vaticano, plantareis a bandeira da Liberdade e da Associação, para que refulja
aos olhos de todas as Nações, pois jamais a ocultaríeis por terror dos déspotas
ou pela ambição dos interesses de um dia. Tereis audácia e fé. Confessareis bem
alto o pensamento que fermenta no coração da Itália, perante o mundo e perante
aqueles que se dizem senhores do mundo. Jamais renegareis as Nações irmãs. A
vida da Pátria desenvolver-se-á, por vós, bela e forte, livre de temores servis
e céticas hesitações, conservando como base o povo, como norma as conseqüências
dos seus princípios, logicamente deduzidas e energicamente aplicadas, como
força a força de todos, como resultado o melhoramento de todos, como fim o
cumprimento da missão que Deus lhe confiou. E, como estareis prontos a morrer
pela Humanidade, a vida da Pátria será imortal.
VI
DEVERES PARA COM A FAMÍLIA
A família é a Pátria do coração. Há um anjo na
Família que, com uma misteriosa influência de graças, doçura e amor, torna o
cumprimento dos deveres menos árido, e os sofrimentos menos amargos. As únicas
alegrias puras e isentas de tristeza que ao homem é dado gozar na terra são,
mercê desse Anjo, as alegrias da Família. Quem, por fatalidade de
circunstâncias, não pôde viver sob as asas desse Anjo, a vida serena da
família, tem uma sombra de melancolia estendida sobre a alma, um vazio que nada
enche no coração: e eu, que escrevo para vós estas páginas, o sei. Bendizei a
Deus, que criou esse Anjo, ó vós que tendes as alegrias e as consolações da
Família.
O Anjo da Família é a Mulher. Mãe, esposa, irmã, a
Mulher é a carícia da vida, a suavidade do afeto difundida sobre suas fadigas,
um reflexo sobre o indivíduo da Providência amorável que vela sobre a
Humanidade. Nela se encerram tesouros de consoladora doçura, que bastam para
aliviar qualquer sofrimento. E ela é, além disso, para cada um de nós, a
iniciadora do futuro. O primeiro beijo materno ensina à criança o amor. O
primeiro beijo sagrado da amiga ensina ao homem a esperança, a fé na vida; e o
amor e a fé criam o desejo do melhor, o poder de alcançá-lo gradativamente, o
futuro em suma, cujo símbolo vivo é a criança, liame entre nós e as gerações
futuras. Por ela, a Família, com o seu Mistério divino de reprodução, acena à
eternidade.
A Família é conceito de Deus, não vosso. Como a
Pátria, muito mais do que a Pátria, a Família é um elemento de vida.
Eu disse que muito mais do que a Pátria. A Pátria,
sagrada hoje em dia, talvez ainda desapareça quando todo homem refletir, na
própria consciência, a lei moral da Humanidade; a Família durará enquanto durar
o homem. Ela é o berço da Humanidade. Como todo elemento da vida humana, ela
deve ser aberta ao Progresso, melhorar de época em época suas tendências, suas
aspirações; ninguém, porém, poderá destruí-la.
Fazer a família cada vez mais santa e cada vez mais
ligada à Pátria, eis a vossa missão. O que a Pátria é para a Humanidade, a
Família deve ser para a Pátria. Assim como vos disse que o papel da Pátria é
educar os homens, assim, também, o papel da Família é educar os cidadãos:
Família e Pátria são os dois pontos extremos de uma linha única. E onde não é
assim, a Família torna-se Egoísmo, tanto mais repulsivo e brutal quanto mais
prostitui, desviando-a do verdadeiro alvo, a coisa mais santa, os afetos.
Amai, respeitai a mulher. Não busqueis nela somente
um conforto, mas uma força, uma inspiração, um redobramento das vossas
faculdades intelectuais e morais. Eliminai da vossa mente toda idéia de
superioridade: não tendes nenhuma. Um velho preconceito criou, através de uma
educação desigual e uma perene opressão das leis, essa aparente inferioridade
intelectual com a qual hoje se argumenta para manter a opressão. Mas, a
história das opressões não vos ensina que quem oprime se apoia sempre num fato
criado por ele próprio? As castas feudais proibiram a vós, filhos do povo, até
quase os nossos dias, a educação, e em seguida, com a falta de educação,
argumentaram e argumentam ainda hoje, para excluir-vos do santuário da cidade,
do recinto onde se fazem as leis, do direito de voto que inicia a vossa missão
social. Perante Deus Uno e Pai, não há homem nem mulher, mas o ser humano, o
ser no qual, sob o aspecto de homem ou de mulher, se encontram todos os
caracteres que distinguem a humanidade da ordem dos animais: tendência social,
capacidade de educação, faculdade de progresso. Onde quer que se revelem esses
caracteres, existe uma natureza humana e, portanto, igualdade de direitos e
deveres. Como dois ramos que partem distintos de um mesmo tronco, o homem e a
mulher partem, diferentes, de uma base comum, que é a humanidade. Não existe
desigualdade entre ambos, e sim, como muitas vezes sucede entre dois homens,
diversidade de tendências, de vocações especiais. Duas notas de um acorde
musical serão desiguais ou de natureza diversa? A mulher e o homem são as duas
notas sem as quais o acorde humano se torna impossível. Terão deveres e
direitos gerais diversos dois povos chamados, por suas tendências especiais ou
pelas condições em que vivem, um a difundir o pensamento da associação humana
por meio de colônias, outro a pregá-lo com a produção de obras-primas de arte
ou de literatura universalmente admiradas? Ambos esses povos são apóstolos,
conscientemente ou não, do mesmo conceito divino, iguais e irmãos nele. O homem
e a mulher têm, como esses dois povos, funções distintas na Humanidade; mas,
essas funções são igualmente sagradas, necessárias ao desenvolvimento comum.
Amai os filhos que a providência vos manda; mas,
amai-os com verdadeiro, profundo e severo amor; não com o amor desfibrado,
irrazoável, cego, que é egoísmo para vós e ruína para eles. Em nome do que há
de mais sagrado, não esqueçais nunca que tendes ao vosso cuidado as gerações
futuras, que tendes para com essas almas que vos foram confiadas, para com a
Humanidade, para com Deus, a mais tremenda responsabilidade que o ser humano
pode conhecer: deveis iniciá-las, não nas alegrias ou nas ambições da vida, mas
na vida mesma, nos seus deveres, na Lei Moral que a governa. Falai-lhes da
Pátria, do que ela foi, do que deve ser. Quando, à noite, entre o sorriso da
mãe e a ingênua tagarelice das crianças sentadas sobre os vossos joelhos,
esquecerdes as fadigas do dia, narrai-lhes os grandes feitos dos homens do povo
das nossas antigas repúblicas; ensinai-lhes os nomes dos bons que amaram a
Itália e o seu povo e, por uma vida de amargura, de calúnias e de perseguições,
tentaram melhorar-lhe os destinos. Instilai-lhes nos jovens corações, não o
ódio contra os opressores, mas a energia de propósitos contra a opressão.
Aprendam eles dos vossos lábios e do tranqüilo assenso materno, quanto é belo
seguir o caminho da Virtude, e grandioso criar Apóstolos da Verdade, e santo o
sacrificar-se, quando preciso, pelos próprios irmãos. Infundi-lhes nas mentes
tenras, juntamente com os germes da rebelião contra toda autoridade usurpada e
sustentada pela força, a reverência pela única e verdadeira Autoridade: a
autoridade da Virtude coroada pelo Gênio. Fazei que cresçam igualmente inimigos
da tirania e da amargura, na religião da consciência inspirada, não imposta
pela tradição. A Nação deve ajudar-vos nessa obra. E vós tendes, em nome dos
vossos filhos, o direito de exigi-lo. Sem Educação Nacional, não existe
verdadeira Nação.
Amai vossos pais. Jamais a Família que procede de
vós vos faça esquecer a família da qual procedeis. Muitas vezes, infelizmente,
os novos vínculos afrouxam os antigos, quando deveriam ser um novo elo na
cadeia de amor que deve ligar três gerações da Família. Circundai de afetos
ternos e respeitosos, até o último dia, as cabeças encanecidas da mãe, do pai.
Enchei-lhes de flores o caminho do túmulo. Difundi, com a continuidade do amor,
sobre suas almas cansadas, um perfume de fé e imortalidade. E o afeto pelos
pais, que conservais inviolado, vos seja penhor do afeto que vos reservarão os
que nascerem de vós.
VII
DEVERES PARA CONSIGO MESMO
Preliminares
Eu vos disse: Tendes vida: tendes, pois, uma lei de
vida... Desenvolver-vos, agir, viver segundo vossa lei — eis o primeiro, ou
antes, o único Dever vosso.
Dificilmente podeis hoje interrogar sobre o dever a
grande voz que a Humanidade vos transmite através da História: faltam-vos, até
agora, bons livros séria e popularmente escritos, e falta-vos tempo; mas, os
homens que, por engenho e consciência, melhor representam, para mais de meio
século, os estudos históricos e a ciência da Humanidade, obtiveram dessa voz
alguns caracteres da nossa Lei de Vida; obtiveram que a natureza humana é
essencialmente educável, essencialmente social; obtiveram que assim como não
existe nem pode existir mais do que um Deus, assim também não existe nem pode
existir mais do que uma lei para o homem individual e para a Humanidade
coletiva; obtiveram que o caracter fundamental, universal dessa Lei é o Progresso.
Dessas verdades, decorrem todos os vossos deveres para com vós mesmos, e
decorrem também os vossos direitos, os quais se resumem em um: o direito de não
serdes absolutamente impedidos e o de serdes, dentro de certos limites,
ajudados no cumprimento dos vossos deveres.
Sois e vos sentis livres, Todos os sofismas de uma
lamentável filosofia que pretendesse substituir a consciência humana por uma
doutrina de não sei que fatalismo, não bastam para anular dois testemunhos
invencíveis em favor da liberdade: o remorso e o martírio. De Sócrates a Jesus,
de Jesus aos homens que morrem a cada passo pela Pátria, os mártires de uma Fé
protestam contra essa servil doutrina, gritando-vos: “Amávamos a vida; amávamos
seres que no-la tornavam cara e que nos suplicavam que desistíssemos; todos os
impulsos do nosso coração diziam: Vive! a cada um de nós, mas, para salvação
das gerações futuras, preferimos morrer”.
Sois educáveis. Existe em cada um de vós uma soma
de faculdades, de capacidades intelectuais, de tendências morais, às quais
somente a educação pode dar movimento e vida, e que, sem ela, permaneceriam
estéreis, inertes, só se revelando em lampejos sem desenvolvimento regular.
A educação é o pão da alma. Assim como a vida
física, orgânica, não pode crescer e desenvolver-se sem alimentos, assim também
a vida moral, intelectual, tem necessidade, para ampliar-se e manifestar-se,
das influências externas e de assimilar parte ao menos das idéias, dos afetos,
das tendências alheias. A vida do indivíduo eleva-se, como a planta, variedade
dotada de existência própria e de caracteres especiais, sobre o terreno comum,
nutre-se dos elementos da vida comum. O indivíduo é um rebento da Humanidade e
alimenta e renova as próprias forças nas suas.
E, para que essa obra educadora se realizasse mais
rapidamente, para que a vossa vida individual se ligasse mais certa e intimamente
com a vida coletiva de todos, Deus vos fez seres essencialmente sociáveis. Todo
ser inferior a vós pode viver por si, sem outra comunhão além da que tem com a
natureza e com os elementos do mundo físico; vós não o podeis. Tendes a cada
passo necessidade dos vossos irmãos; e não podeis satisfazer as mais simples
necessidades da vida sem recorrer ao seu trabalho. Superiores a qualquer outro
ser, mercê da associação com os vossos semelhantes, sois, quando isolados,
inferiores em força a muitos animais, fracos e incapazes de desenvolvimento e
de plena vida. As mais nobres aspirações do vosso coração, como o amor à
Pátria, e também as menos virtuosas, como o desejo de glória e do louvor
alheio, revelam vossa tendência para identificar vossa vida com a vida dos
milhões que vivem ao vosso redor. Sois, pois, chamados à associação. Ela
centuplica as vossas forças: torna vossas as idéias alheias, vosso o alheio
progresso; e eleva, melhora e santifica a vossa natureza com os afetos e com o
sentimento crescente da unidade da família humana.
Sois, finalmente, seres progressivos.
A palavra Progresso, ignorada entre os antigos,
será doravante uma palavra sagrada para a Humanidade. Encerra toda uma
transformação social, política, religiosa.
A antigüidade, os homens das velhas religiões
orientais e do paganismo, acreditavam no Destino, no Acaso, num Poder oculto,
ininteligível, senhor arbitrário das coisas humanas, criador e destruidor
alternativamente, sem que o homem pudesse compreender-lhe, promover-lhe ou
acelerar-lhe as necessidades. Consideravam o homem impotente para fundar algo
de durável, permanente, sobre a terra. A conseqüência de tais doutrinas era uma
tendência para aceitar os fatos predominantes sem cuidar ou esperar mudá-los.
Onde as circunstâncias tinham implantado uma forma republicana, os homens
daquela época eram republicanos; onde dominava o despotismo, eram escravos
alheios ao progresso e submissos. Mas depois que por toda parte, sob a forma
republicana como sob a tirania, encontraram dividida a família humana, ou em
quatro castas, como no Oriente, ou em duas, de cidadãos livres e de escravos,
como na Grécia, aceitaram a divisão das castas ou a crença em duas naturezas
diversas de homens; e aceitaram-na as mais poderosas inteligências do mundo
grego: Platão e Aristóteles. A emancipação da vossa classe era, para esses
homens, impossível.
Os homens que fundaram, sobre a palavra de Jesus,
uma Religião superior a todas as crenças do velho Oriente e do Paganismo,
entreviram, não conquistaram, a santa idéia contida nesta palavra: Progresso.
Compreenderam a unidade da raça humana, compreenderam a unidade da lei,
compreenderam o dever de aperfeiçoamento do homem: não compreenderam o poder
dado por Deus ao homem para cumpri-lo, nem a via pela qual se cumpre. Limitaram-se,
contudo, a deduzir as normas da vida da contemplação do indivíduo: a
Humanidade, como corpo coletivo, continuou ignorada.
Todo o edifício das crenças que sucederam ao
Paganismo repousa, de qualquer modo, sobre as bases acima indicadas. É claro que
nem sobre estas podia fundar-se a vossa emancipação aqui na terra.
Cerca de mil e trezentos anos depois das palavras
de Jesus, um homem, italiano, o maior dentre os italianos que eu conheci,
escreveu as verdades seguintes: “Deus é uno; o Universo é um pensamento de
Deus; o Universo é, pois, também uno. Todas as coisas vêm de Deus. Todas
participam, mais ou menos, da natureza divina, conforme o fim para o qual são
criadas. O homem é nobilíssimo entre todas as coisas: Deus verteu nele mais de
sua natureza do que sobre as outras. Toda coisa que vem de Deus tende ao
aperfeiçoamento do qual é capaz. A capacidade de aperfeiçoamento no homem é
indefinida. A Humanidade é una. Deus não fez nada inútil; e, assim como existe
uma Humanidade, assim também deve existir um objetivo único para todos os
homens, um trabalho que deve ser realizado por obra de todos. O gênero humano
deve, pois, trabalhar unido, de modo que todas as forças intelectuais nele
difundidas, obtenham o mais alto desenvolvimento possível na esfera do pensamento
e da ação. Existe, pois, uma Religião universal da natureza humana.”
O homem que escreveu essas idéias chamava-se Dante.
Toda cidade da Itália, quando a Itália for livre e una, deveria erguer-lhe uma
estátua, porque essas idéias contêm em germe a Religião do Futuro. Ele
escreveu-as em livros latinos e italianos.
O germe lançado por Dante frutificou. Recebido e
fecundado constantemente por inteligências poderosas, desenvolveu-se em planta
no fim do século passado. A idéia do Progresso, como Lei da Vida, aceita,
desenvolvida, verificada na História, confirmada pela ciência, tornou-se
bandeira do futuro. Hoje, não há engenho severo que a não ponha como base dos
seus trabalhos.
Hoje, sabemos que a lei da Vida é o Progresso;
progresso para o indivíduo, progresso para a Humanidade. A Humanidade cumpre
essa Lei na terra; o indivíduo, na terra e fora dela. Um só Deus; uma só Lei.
Essa Lei se cumpre lentamente, inevitavelmente, na Humanidade, desde o seu
primeiro nascimento. A verdade jamais se manifestou toda ou de golpe. Uma
revelação contínua manifesta, de época em época, um fragmento da Verdade, uma
palavra da Lei. Cada uma dessas palavras modifica profundamente, no caminho do
Melhor, a vida humana, e constitui uma crença, uma Fé. O desenvolvimento da
Idéia religiosa é, pois, indefinidamente progressivo; e, como colunas de um
templo, as crenças sucessivas, desenvolvendo e purificando cada vez mais essa
Idéia, constituirão um dia o Panteon.
São essas algumas das verdades contidas na palavra
Progresso, da qual sairá a Religião do Futuro. Somente nela pode realizar-se a
vossa emancipação.
[...]
IX
EDUCAÇÃO
[...]
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[...]
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BIBLIOGRAFIA:
Cavalcante, Sergio - Rito Escocês Antigo e Aceito - Rituais de 1804.
REFERENCIAS:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/mazzini.html