sábado, 27 de outubro de 2012

O REAA - A Lenda de Frederico II



A Lenda de Frederico II

Foi nos Estados Unidos da América do Norte que surgiu o maior embuste da história do escocesismo com a invenção de que os Altos Graus (e, em suma, a própria Ordem Escocesa) foram criadas pelo Rei da Prússia, Frederico II.

 Frederico II  - Rei da Prússia

Na realidade, aos 25 graus criados pelo Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente, os maçons norteamericanos, sob, provavelmente, a inspiração de Morin, acrescentram mais oito graus, criando um sistema de 33 graus. Reunidos, então na cidade de Charleston, no Estado da Carolina do Sul, fundaram a 31 de maio de 1801, o primeiro Supremo Conselho do Rito Escocês, concentrando em suas mãos, todo o poder adminsitrativo sobre os altos graus.
Esse primeiro Supremo Conselho só se tornou conhecido, pelo restante da Maçonaria mundial, a partir de 04 de dezembro de 1802, quando foi expedido uma carta circular comunicando o fato, enaltecendo o sistema de 33 graus e atribuindo a sua organização a Frederico II, Rei da Prússia. Se isso houvesse, realmente, acontecido nesta data  que  a da publicação, segundo os maçons norteamericanos, da Constituição e dos Regulamentos Gerais do Supremo Conselho, no mínimo, estranho que só tivessem conhecimento do fato em 1802.
A história oficial, divulgada, inclusive, pelo Supremo Conselho francês, diz que Carlos Stuart, filho de Jaimes III, sendo chefe de toda a Maçonaria conferiu, a Frederico II, a dignidade de Grão-Mestre, nomeando-o, também, seu sucessor, qualidade na qual seria reconhecido como Chefe dos Altos Graus. A 25 de outubro de 1782, com apenas, ainda, os 25 graus do Rito de Heredon, eram cofirmadas as Constituições e Regulamentos de Bordéus (Bordeaux); quatro anos depois, segundo essa mesma versão oficial, Frederico II transmitia os seus poderes e prerrogativas a um Conselho dos Grandes Inspetores Gerais, ao mesmo tempo em que aumentava a escala para 33 graus e publicava, a 01 de maio de 1786, a sua Constituição.
Apesar da documentação, essa assertiva não tem a minima credibilidade.
Vejam-se, então, os autores do primeiro time maçônico e tudo que tiveram a dizer sobre a propalada e ridicula assertiva de ser Frederico II da Prússia, o autor das Constituições de 1786.
Em primeiro, Georg von Kloss (1787-1854), conhecido como o pai da critica histórica da francomaçonaria mundial e maior historiador maçônico alemão, que qualifica, na sua obra Geschichte der Freimaurerei in Frankreich (História da Francomaçonaria na França) [ed. Darmstadt, 1852, pg. 409], as constituições [de 1786] e as leis como uma grande mentira da Ordem.
Joseph Gabriel Findel (1828-1905), discipulo de Kloss, na sua História General de la Francmasonera (in Diccionario Enciclopdico de la Masonera, tomo IV, Editorial del Valle de México, México, 1977, pg. 338), citando documento expedido pela Grande Loja-Mãe Nacional Os Três Globos Terrestres de Berlim, diz que depois de um maduro exame das peças etc, depositadas nos arquivos, crer-se, sem mais, aderir ao manifestado e declarar apócrifas tais constituições e leis porque:
i) O Rei Frederico II, o Grande, não dirigiu nem comandou uma participação direta pessoal nos trabalhos maçônicos, nos sete anos depois de sua recepção de 1738 a 1744;
ii) Em 1762, a última campanha da Silésia absorveu por completo a atenção do rei, e a primeiro de maio de 1786, nos últimos anos de sua vida, e sobretudo nos últimos meses antes de sua morte (17 de agosto de 1786); atormentado pela gota, caduco e fatigado da vida, permaneceu no seu castelo de Sans-Souci, em Potsdam sem ir a Berlim.
Segundo os dados oficiais mais seguros, o grande rei foi a Berlim, em 09 de setembro de 1785, quando visitou sua irmã, a princesa Amélia; acomodou-se em seu palácio, passou a noite no estabelecimento de águas minerais e assistiu, na manhã seguinte  10 de setembro as manobras do corpo de artilharia. De Wedding, onde se situava o campo de manobras, o rei voltou a Potsdam. Jamais retornou a Berlim, porque depois de passado o inverno, em meio a cruéis sofrimentos, os médicos não tiveram dúvidas sobre o terrível término da enfermidade, até o mês de janeiro de 1786. O augusto enfermo voltou em 17 de abril, ao castelo de Sans-Souci, onde padeceu ainda, mais quatro meses, morrendo como um mártir.
iii) , por conseguinte, falso que o rei Frederico, o Grande tivesse reunido em 01 de maio de 1786 um Grande Conselho em seu palácio de Berlim para regular os Atos Graus. A maneira de operar e de pensar deste nobre príncipe - impede de que se creia que, no final de sua carreira, pudesse ocupar-se de coisas que considerava vãs e fúteis ninharias.
iv) Os relatos concernentes da época em questão e conservados nos arquivos da Grande Loja-Mãe Nacional não apresentam tratado algum dos documentos maçônicos citados acima, nem da existência de um Grande Conselho em Berlim.
Fiquem de lado os alemães e busque-se suporte no maior historiador maçônico inglês  Robert Freke Gould (1836-1915), ex-venerável da Loja de Pesquisa Quatuor Coronati de Londres. Na sua monumental obra (The History of Freemasonry, vol. III, Thomas C. Jack, London, 1887, pg. 128) afirma que ...temos as Grandes Constituições em 18 artigos. De acordo com a lenda, o jovem pretendente transferiu sua suprema autoridade em Maçonaria para Frederico, o Grande, que, no seu leito de morte em 1786, revisou as regulamentaes, transformando os 25 graus em 33 e revestiu, com sua autoridade pessoal, o Supremo Conselho dos 33. Autores que me antecederam, pouparam-me o tormento de provar que tudo isto  pura ficção; ...e que os 33 graus nunca apareceram na França até que De Grasse-Tilly os introduzisse. As Constituições de 1786 foram, sem dúvida alguma fabricadas na América e assim, provavelmente, também, as de 1762.
Como a infantaria inglesa não é muito forte no REAA, dê-se atenção  a cavalaria escocesa antes da apresentação da artilharia pesada francesa. Conforme o rito - a palavra escocesa - apesar de ter sido fundado na França, durante muito tempo instigou-se os escoceses a escreverem algo sobre o tema. Na decada de 50, Robert Strathern Lindsay, Grande Secretário Geral do Supremo Conselho para a Escócia do REAA escreveu uma obra prima O Rito Escocês para a Escócia (The Scottish Rite for Scotland, W. R. Chambers, Limited, Edinburg, 1958, pg. 55) com o imprimatur do Supremo Conselho. Como não poderia deixar de acontecer, o trabalho toca no affaire Frederico e as Constituições. Fisicamente, Frederico poderia ter assinado as Grandes Constituições em 01 de maio de 1786. Mas por que ele faria isto? Na ocasião, pressentia que sua prolongada, fatal e dolorosa doença estava perto do fim e sua mente estava inteiramente tomada pela preocupação de como prevenir a divisão da Prússia após a sua morte. ... Não teria sido mais natural que o sobrinho favorito de Frederico, treinado por ele e que era, ao contrário de seu tio, pessoalmente interessado e ligado aos Altos Graus, ter introduzido o REAA na Prssia? Nem ele se agregou ao rito e muito menos seu tio, pois o rito só foi introduzido na Alemanha aproximadamente 20 anos após a morte de Frederico. ...Pesquisas têm sido realizadas em Berlim para se encontrarem evidências das Grandes Constituições ou alguma meno sobre o colóquio do Supremo Conselho do Grau 33 supostamente realizado em 01 de maio de 1786 quando, de acordo com as Grandes Constituições, o próprio Frederico estaria presente, e o resultado  é zero.
Agora, a artilharia francesa para discutir a lenda. Destaca-se Paul Naudon, o maior historiador maçom (GLNF) francês do REAA com o seu clássico História, Rituais e Cobridor dos Altos Graus Maçônicos (Histoire, Rituels et Tuileur des Hauts Grades Maonniques, Dervy Livres, Paris, 1984). Na página 153, afirma que pesquisas têm sido realizadas em Berlim para encontrar os traços de uma reunião do Supremo Conselho do Grau 33 que teria sido realizada em 01 de maio de 1786 e na qual Frederico II estaria presente. O resultado foi nulo. Após analisar várias impropriedades de datas, pessoas, referências e titulações nobiliarquicas, Naudon notou que chamou Frederico de Frederico II Guilherme II e logo em seguida de Nosso Ilustre Irmão Frederico de Brunswick. O erro, desta vez  bem flagrante. Acrescentado ao precedente, sublinha nitidamente que Frederico II não poderia ter aprovado tal texto e que este não seria obra de maçons alemães, que jamais cometeriam tais equívocos (pg. 156).
Outro fato convenientemente notado  é o da possibilidade de nomear quatro inspetores gerais não-cristãos significando a porta aberta aos judeus (p. 160) ... pois esta admissão de judeus na Ordem maçônica teria sido inconcebível na Alemanha na época de Frederico  (e ela só aconteceu nos meados do século XIX), como também na França antes da Revolução e mesmo antes da organização oficial do culto e da Concordata de 1801(p.161). Conclui, finalmente, que os oito novos graus e a hierarquia dos 33 graus nasceram na América. A Europa os ignorou até a fundação do Supremo Conselho de França em 1804 (p.163).
Ren Le Forestier (1868-1951), maçonólogo, germanista e o maior historiador francês dos Iluminados Bavaros e da maçonaria ocultista e templária afirma, peremptoriamente, no seu erudito livro A Francomaçonaria Templária e Ocultista nos Séculos XVIII e XIX (La Franc-Maonnerie Templire et - Occultiste aux XVIII et XIX Sicle,- vol. I,- La Table- D'Emeraude, Paris, 1987, pg. 287) que muitos graus franceses foram colocados arbitrariamente sob a patronagem de Frederico II, que tinha feito parte da Maçonaria na sua juventude e a tolerava nos seus domínios, mas que não tinha mais assistido a nenhuma sessão desde a sua ascensão ao trono.
O historiador e bibliotecário da Grande Loja de França  Albert Lantoine (1869-1949)  no primeiro tomo de sua trilogia História da Francomaonaria Francesa (Histoire de la Franc-Maonnerie Franaise - La Franc-Maonnerie chez elle, vol. I, Slatkine Reprints, Genve-Paris, 1981, pg. 247) no capítulo O Grande Frederico ou o Deus da Fábula apresenta os seguintes argumentos contra a lenda...sua atividade maçônica (e esta palavra atividade não deve ser aqui entendida como assiduidade) não durou mais que 07 anos (1738-1744). Aliás a participação de Frederico II nos trabalhos e desenvolvimento da Ordem foi criteriosamente estudada pelos alemães  existe uma bibliografia copiosa sobre a questão  mas todos, apesar de diferindo em alguns pontos, são unânimes em desligar sua memória da criação dos Altos Graus ...que idéia bizarra, além do mais, que este prussiano fanático de sua nação e como! ter passado seus famosos poderes aos americanos em lugar de os transmitir simplesmente a Frederico-Guilherme, seu filho primogênito e herdeiro? (p. 250) e termina perguntando como uma tal lenda se infiltrou entre os maçons?(p.254).

Frederico II, Voltaire e membros da Academia de Ciências de Berlim


Pierre Chevallier, maçonólogo falecido em 1998, no seu História da Francomaonaria Francesa (Histoire de la Franc-Maonnerie Franaise, vol. II, Librarie Arthme Fayard, Paris, 1974, pg. 65) pergunta que pensar das Grandes Constituições de 1786 falsamente atribuídas a Frederico II e pelas quais se passou dos 25 graus do Rito de Perfeição aos 33 do REAA?....mas parece também que o REAA seja uma criação feita na América. Seriam os Irmãos John Mitchell, Frederico Dalcho (um médico de origem prussiana e aqui se explica a referência a Frederico II) e alguns outros, dos quais vários israelitas, os fundadores do primeiro Conselho, em Charleston em 1801.

Frederico II - Jovem


Finaliza-se a artilharia francesa com Alex Mellor (1907-1988) da GLNF, no seu Dicionário da Francomaonaria e dos Franco-Maçons (ed. Martins Fontes, S.Paulo, 1989, pg. 98) cujo verbete Constituições (Grandes) reza o seguinte: o documento celebre intitulado Grandes Constituições de 1786 e atribuído a Frederico II, Rei da Prússia, que teria, assim, dado a sua carta histórica ao REAA, foi longa e minuciosamente estudado pelos eruditos. Admite-se hoje, que o documento  apócrifo.
BIBLIOGRAFIA:
Sergio Cavalcante – Rito Escocês Antigo e Aceito – Rituais de 1804

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