segunda-feira, 29 de outubro de 2012

REAA – AS ORIGENS DO TESTAMENTO MORAL E FILOSOFICO



REAA – AS ORIGENS DO TESTAMENTO MORAL E FILOSOFICO

 QUESTÕES DO TESTAMENTO MORAL E FILOSOFICO*

I -  Quais são os vossos deveres para com Deus?
II - Quais são os vossos deveres para com a Humanidade?
III - Quais são os vossos deveres para com a Pátria?
IV - Quais são os vossos deveres para com a Família?
V - Quais são os vossos deveres para com o próximo?
VI - Quais são os vossos deveres para convosco?

* Essas seis questões que geralmete são respondidas pelo candidato a ingresso na Ordem Maçônica e em especial no REAA, não constavam dos rituais originais criados no ano de 1804, pelo menos com esse mesmo teor.
O Ritual do Grau de Aprendiz editado em 1804, menciona um tal Testamento, porém, não explicita-o no bojo do mesmo.
Vejamos o que diz o referido ritual em francês da época (1804):
Le Très Vénérable dit:
Frère Expert, veuillez prendre de l’encre, une plume, du papier et transportez-vous auprès du Profane, dites-lui que les épreuves qu’il va subir, étant très dangereuses, il est prudent qu’il fasse son testament.
L’Expert s’y rend et rentre, quand il croit que le testament est fait, il va le chercher, l’apporte au Vénérable qui en fait donner lecture à haute voix par l’Orateur.
Essas questões foram inseridas posteriormente não se sabe por quem, após a edição do livreto “Deveres do Homem” de autoria de Giuseppe Mazzini.
Ressalte-se que não há a menção no referido livreto da questão nº V.

GIUSEPPE MAZZINI

Giuseppe Mazzini (nascido em Gênova em 1805 e falecido em Pisa em 1872) foi o apóstolo da unidade e da independência italiana, que deveriam ser conseguidas, uma e outra, por obra do povo e na forma democrática da república. Animador incansável, dedicou a sua vida, desperdiçada a maior parte em doloroso exílio, numa férvida pregação de idéias, através do exemplo pessoal, de cartas e da atividade revolucionária de associações nacionais e internacionais tais como a “Jovem Itália” (1831), a “Jovem Europa” (1834), a “Liga Internacional dos Povos” (1847) e na “Associação Nacional Italiana” (1848).
A concepção de Mazzini, alimentada por um sentido profundamente religioso (daqui a conhecida fórmula “Deus e Povo”) e aberta à questão social e aos novos problemas da emancipação dos operários, supera de um lado os princípios individualísticos incluídos na Revolução Francesa, afirmando a possibilidade do homem expandir a própria personalidade somente na vida coletiva; e supera de outro lado o utilitarismo do século XVIII, contrapondo a este uma visão inteiramente espiritual e moral da vida.
No pensamento mazziniano a nação, “livre e una”, não é senão o natural e necessário degrau pelo qual o homem pode alcançar, partindo do conceito de pátria, o superior da unidade substancial, mesmo subsistindo os organismos nacionais, da família humana inteira. Ele, portanto, indicou aos jovens não simplesmente a libertação da Itália e da Europa, mas de todos os povos, como condição primordial da verdadeira libertação do homem.
O pequeno volume Doveri dell’uomo — escrito em Londres no ano de 1860 e dedicado aos operários italianos num momento em que a pregação e ação mazziniana estavam perdendo a sua imediata ressonância com relação à unidade e independência italiana, que se realizava pela obra diplomática de Cavour.
Passaremos a narrar, ou melhor dizendo, explicitar os temas (com os devidos texto) com que a Ordem Maçônica se utilizou para fazer seu novo Testamento Moral e Filsofico.
Os itens (artigos) em que a Ordem Maçônica pinçou do livreto Doveri dell’uomo, estão destacado em vermelho.


I

DEVERES DO HOMEM
[...]


II
DEUS
A origem dos vossos DEVERES está em Deus. A definição dos vossos DEVERES está na sua Lei. O descobrimento progressivo e a aplicação da Lei divina pertencem à Humanidade.
Deus existe. Não devemos nem queremos prová-lo: tentá-lo parecer-nos-ia blasfêmia, como negá-lo loucura. Deus vive em nossa consciência, na consciência da Humanidade, no Universo que nos circunda. Nossa consciência invoca-o nos momentos mais solenes de dor e de alegria. A Humanidade tem podido transformá-lo, ofendê-lo, jamais suprimir-lhe o santo nome. O Universo manifesta-o com a ordem, a harmonia, a inteligência dos seus movimentos e leis. Não existem ateus entre vós: se existissem seriam dignos não de maldição, mas de piedade. Aquele que pode negar a Deus diante de uma noite estrelada, diante da sepultura dos seus entes mais caros, diante do martírio, é grandemente infeliz ou grandemente culpado. O primeiro ateu foi, sem nenhuma dúvida, o homem que ocultara um delito aos outros homens e procurava, negando Deus, livrar-se da única testemunha a quem não podia ocultá-lo e sufocar o remorso que o atormentava: talvez um tirano que tivesse roubado com a liberdade metade da alma aos seus irmãos e tentasse substituir a fé no Dever e no Direito imortais pela adoração da Força Bruta. Há padres que prostituem o nome de Deus aos cálculos da venalidade, ou ao terror dos poderosos; há tiranos que o imposturam, invocando-o como protetor de suas tiranias; mas porque a luz do sol nos chega muita vez ofuscada e prejudicada por obscuros vapores, negaremos o sol ou o poder vivificador dos seus raios sobre o Universo? Porque da liberdade os perversos podem às vezes fazer surgir a anarquia amaldiçoaremos a liberdade? A fé em Deus brilha com luz imortal através de todas as imposturas e corrupções que os homens reúnem em torno do seu nome. As imposturas e corrupções passam, como passam as tiranias: Deus permanece, como permanece o POVO, imagem de Deus na terra. Assim como o Povo, através da escravidão, sofrimentos e misérias, conquista gradativamente consciência, força, emancipação, assim também o santo nome de Deus surge das ruínas dos cultos corruptos para esplender circundado por um culto mais puro, mais fervoroso e mais racional.
Por conseguinte, não vos falo de Deus para demonstrar-lhe a existência, ou para dizer-vos que deveis adorá-lo: vós o adorais, mesmo sem o chamardes, toda vez que sentis vossa vida e a vida dos seres que vos cercam. Falo-vos de Deus para dizer-vos como deveis adorá-lo, para advertir-vos de um erro que domina as mentes de muitos homens das classes que vos dirigem ou, a exemplo deles, de muitos dentre vós: erro tão grave e ruinoso quanto o é o ateísmo.
Esse erro é a separação, mais ou menos declarada, de Deus da sua obra, da Terra sobre a qual deveis passar um período da vossa vida.
“Venha à terra o reino de Deus, assim como no céu”. Seja esta, meus irmãos, melhor entendida e aplicada do que no passado, a vossa palavra de fé, a vossa prece. — Repeti-a e trabalhai para que se verifique. Deixai que outros tentem persuadir-vos da resignação passiva, da indiferença pelas coisas terrenas, da submissão a todo poder temporal embora injusto, replicando-vos, mal entendida, esta outra palavra: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Podem dizer-vos coisa que não seja de Deus? Nada é de César, a não ser na medida em que é conforme à Lei Divina. César, ou seja, o poder temporal, o governo civil, é apenas o mandatário, o executor, na medida em que suas forças e os tempos o permitem, do desígnio de Deus: onde trair o mandato, o vosso, não diremos direito, mas dever, é mudá-lo. Para que estais na terra, senão para esforçar-vos por desenvolver com os vossos meios e na vossa esfera o conceito de Deus? Para que professar que acreditais na unidade do gênero humano, conseqüência inevitável da Unidade de Deus, se não trabalhais para realizá-la combatendo as divisões arbitrárias, as inimizades que ainda separam as diversas tribos que constituem a Humanidade? Para que acreditar na liberdade humana, base da responsabilidade dos homens, se não nos empenhamos em destruir todos os obstáculos que impedem a primeira e viciam a segunda? Para que falar da Fraternidade, embora permitindo que os nossos irmãos sejam diariamente conculcados, aviltados, desprezados? A terra é nossa oficina: não devemos maldizê-la, mas santificá-la. As forças materiais que vemos ao nosso redor são os nossos instrumentos de trabalho: não devemos repudiá-los, mas dirigi-los para o bem.
Sem Deus, porém, não o conseguireis. Falei-vos de deveres; ensinei-vos que não basta o conhecimento dos vossos direitos para encaminhar-vos sempre para o bem; não basta que vos entregueis ao melhoramento progressivo, contínuo, da vossa condição. Sem Deus, onde está o Dever? Sem Deus, qualquer que seja o sistema civil que desejeis adotar, só tereis como base a Força, cega, brutal, tirânica. Não há meio termo. Ou o desenvolvimento das coisas humanas depende de uma lei providencial que todos nós temos o dever de descobrir e aplicar, ou é obra do acaso, das circunstâncias do momento, do homem que melhor souber valer-se delas. Ou devemos obedecer a Deus, ou servir aos homens, a um ou a vários, pouco importa. Se não reina uma Mente suprema sobre todas as mentes humanas, quem pode salvar-nos do arbítrio dos nossos semelhantes, quando se acham mais poderosos do que nós? Se não existe uma lei santa e inviolável, não criada pelos homens, que norma teremos para julgar se um ato é justo ou injusto? Em nome de quem, em nome de quê protestaremos contra a opressão e a desigualdade? Sem Deus, o único dominador é o Fato: o Fato, diante do qual os materialistas sempre se inclinam, chama-se Revolução ou Bonaparte; o Fato, no qual ainda hoje, na Itália e alhures, os materialistas se escudam para justificar a inércia, mesmo onde concordam teoricamente com os nossos princípios. Ora, pregar-lhes-emos o sacrifício, o martírio em nome das nossas opiniões individuais? Mudaremos, em virtude somente dos nossos interesses, o princípio abstrato em ação? Desenganai-vos. Enquanto falarmos como indivíduos, em nome do que o nosso intelecto individual nos sugere, teremos o que vemos hoje: adesão a palavras, e não obras. O grito que soou em todas as grandes revoluções, o grito Deus o quer das Cruzadas, só pode converter os inertes em ativos, dar ânimo aos timoratos, entusiasmo de sacrifício aos calculistas, fé a quem repele com a dúvida todo conceito humano. Provai aos homens que a obra de emancipação e de desenvolvimento progressivo para a qual os concitais está no desígnio de Deus: ninguém se rebelará. Provai-lhes que a obra terrestre a realizar-se está essencialmente ligada à sua vida imortal: todos os cálculos do momento desaparecerão ante a importância do futuro. Sem Deus, podeis impor, não persuadir; podeis ser igualmente tiranos, não Educadores e Apóstolos.
Pregai em nome de Deus. Os letrados sorrirão: perguntai-lhes, porém, que fizeram por sua pátria. Os sacerdotes vos excomungarão: dizei aos sacerdotes que conheceis Deus melhor do que todos eles, e que entre Deus e sua Lei não tendes necessidade de intermediários. O povo entender-vos-á e repetirá convosco: “Cremos em Deus Padre, Inteligência e Amor, Criador e Educador da Humanidade”. E com essas palavras, vencereis, vós e o Povo.


III

A LEI
[...]



IV
DEVERES PARA COM A HUMANIDADE
 Os vossos primeiros deveres, primeiros não no tempo, mas em importância, — e porque sem entendê-los só imperfeitamente podereis cumprir os outros, — são os deveres para com a Humanidade. Tendes deveres de cidadãos, de filhos, de esposos e de pais, deveres sagrados, invioláveis, dos quais vos falarei pormenorizadamente mais adiante; mas, o que torna sagrados e invioláveis esses deveres é a missão, o Dever, que a vossa natureza de homens vos impõe. Sois pais para educar homens no culto e no desenvolvimento da Lei de Deus, sois cidadãos, tendes uma Pátria, para poderdes mais facilmente, numa esfera limitada, com o concurso de gente já ligada a vós pelo idioma, pelas tendências, pelos costumes, agir em benefício dos homens que existem e existirem, o que mal poderíeis fazer dispersos, isolados e fracos, no imenso número dos vossos semelhantes. Os que vos ensinam moral, limitando a noção dos vossos deveres à família ou à pátria, ensinam-vos, mais ou menos restrito, o egoísmo, e vos conduzem ao mal para os outros e para vós mesmos. Pátria e Família são como dois círculos inscritos dentro de um círculo maior; como dois degraus de uma escada sem os quais não poderíeis subir mais alto, mas sobre os quais não vos é permitido parar.
Sois homens: isto é, criaturas racionais, sociáveis e capazes, por meio unicamente da associação, de um progresso a que ninguém pode fixar limites; e é quanto sabemos, hoje, da Lei de vida dada à Humanidade. Esses caracteres constituem a natureza humana, que vos distingue dos outros seres que vos circundam e que é atribuída a cada um de vós como uma semente que deve frutificar. Toda a vossa vida deve tender ao exercício e ao desenvolvimento ordenado dessas faculdades fundamentais da vossa natureza.
Tereis descido entre os animais e violado a Lei de Deus, toda vez que suprimirdes ou deixardes suprimir uma das faculdades que constituem a natureza humana em vós ou em outrem. O que Deus quer é, não já que sua Lei se cumpra em vós como indivíduos, — se Deus quisesse isso, ter-vos-ia criado sós — mas que se cumpra na terra inteira, entre todos os seres que criou à sua imagem. O que Ele quer é que a idéia de aperfeiçoamento e de amor por ele posta no mundo se revele e resplandeça cada vez mais adorada e representada. Vossa existência terrestre, limitadíssima como é em tempo e faculdades, só pode representá-la imperfeitíssima e em lampejos. Só a Humanidade, contínua por gerações e por inteligência, que se nutre da inteligência de todos os seus membros, pode desenvolver aos poucos essa idéia divina, e aplicá-la e glorificá-la. A vida, pois, vos foi dada por Deus para que a empregueis em benefício da Humanidade, para que orienteis vossas faculdades individuais para o desenvolvimento das faculdades dos vossos irmãos, para que acrescenteis com vossa obra um elemento qualquer à obra coletiva de melhoramento e descoberta da Verdade que as gerações promovem, lenta mas continuamente. Deveis educar-vos e educar, aperfeiçoar-vos e aperfeiçoar.
Um povo, o grego, o polaco, o circassiano, surge com uma bandeira de pátria e de independência, combate, vence ou morre por ela. Que é que faz palpitar o vosso coração ante a narrativa das batalhas? Que é que o consola na alegria das vitórias e o contrista na derrota? Um homem, vosso compatriota ou estrangeiro, levanta-se, no silêncio comum, num recanto da terra, emite algumas idéias, que julga verdadeiras, mantém-nas quando perseguido e entre os cepos, e morre, sem renegá-las, no cadafalso. Por que o honrais com o nome de santo e de mártir? Por que respeitais e fazeis respeitar por vossos filhos a sua memória! Porque esses homens de dois mil anos atrás, essas populações que hoje combatem longe de vós, esse mártir por cujas idéias não morrestes, foram, são vossos irmãos: irmãos não somente por comunhão de origem e de natureza, mas por comunhão de trabalho e de ideal. Esses gregos antigos passaram; sua obra, porém, não passou, e sem ela não teríeis hoje o grau de desenvolvimento intelectual e moral que alcançastes. Essas populações consagraram, com o próprio sangue, uma idéia de liberdade nacional pela qual combateis. Esse mártir ensinou, morrendo, que o homem deve sacrificar tudo e, se for preciso, a própria vida ao que ele julga ser a Verdade. Pouco importa que ele e tantos outros, que selam a fé com o próprio sangue, interrompam na terra o próprio desenvolvimento individual; Deus provê além por eles. O que importa é o desenvolvimento da Humanidade. O que importa é que a geração vindoura surja, esclarecida por vossas pugnas e por vossos sacrifícios, mais alta e mais poderosa do que vós na inteligência da Lei, na adoração da verdade. O que importa é que, fortificada pelos exemplos, a natureza humana melhore e verifique cada vez mais o desígnio de Deus sobre a terra. E, onde quer que a natureza humana melhore, onde quer que se conquiste uma verdade, onde quer que se dê um passo no caminho da educação, do progresso, da moral, esse passo, essa conquista frutificará, mais cedo ou mais tarde, em toda a Humanidade.
Que distância entre essa crença que fermenta nas nossas almas, e será base da moral da época que está por surgir, e a que davam por base à sua moral as gerações que hoje chamamos de antigas! E como é estreito o liame que passa entre a idéia que fazemos do Principado Divino e a que fazemos dos nossos deveres! Os primeiros homens ouviram Deus, mas sem entendê-lo, sem procurar sequer entendê-lo na sua Lei. Cristo pôs diante de sua crença estas duas verdades inseparáveis: Há somente um Deus, e todos os homens são filhos de Deus; e a promulgação dessas duas verdades mudou a face do mundo e ampliou o círculo moral até aos confins das terras habitadas. Aos deveres para com a família e a pátria, acrescentaram-se os deveres para com a Humanidade. Então, o homem aprendeu que, onde quer que se achasse um seu semelhante, aí estaria um irmão por ele, um irmão dotado de alma imortal como a dele, chamada a reunir-se ao Criador; e que lhe devia amor, participação da fé e auxílio de conselho e de obra onde houvesse necessidade. Então, pressentimento de outras verdades contidas em germe no Cristianismo, ouviram-se na boca dos Apóstolos palavras sublimes, ininteligíveis na antigüidade, deturpadas ou traídas mesmo pelos sucessores: “Assim como num corpo existem muitos membros, e cada membro com uma função diversa, assim também, embora muitos, nós somos um corpo só, e membros uns dos outros. E haverá um só redil e um só pastor”. E hoje, após dezoito séculos de estudos, de experiências e de fadigas, trata-se de dar desenvolvimento a esses germes: trata-se de aplicar essa verdade, não somente a cada indivíduo, mas a todo o conjunto de faculdades e forças humanas, presentes como futuras, que se chama a Humanidade; trata-se de promulgar, não só que a Humanidade é um corpo único, mas que o primeiro artigo dessa Lei é o Progresso, progresso na terra onde devemos realizar, tanto quanto pudermos, o desígnio de Deus e educar-nos para melhores destinos. Trata-se de ensinar aos homens que, se a Humanidade é um corpo único, todos nós, como membros desse corpo, devemos trabalhar pelo seu desenvolvimento e tornar-lhe a vida mais harmônica, ativa e poderosa. Trata-se de convencer-nos de que só podemos elevar-nos a Deus pelas almas dos nossos irmãos, e de que devemos melhorá-las e purificá-las em quanto no-lo peçam. Trata-se, desde que só a Humanidade inteira pode cumprir essa parte do desígnio de Deus que ele quer que se realize na terra, de substituir o exercício da caridade para com os indivíduos por um trabalho de associação tendente a melhorar o conjunto, e de preparar para tal objetivo a família e a pátria. Outros deveres mais vastos nos serão revelados quando adquirirmos uma idéia menos imperfeita e mais clara da nossa Lei de vida. Assim, Deus Pai, por meio de uma lenta mas contínua educação religiosa, guia para melhor a Humanidade, e nesse melhor a nossa individualidade melhora igualmente.
Por conseguinte, irmãos, por dever e utilidade vossa, jamais devereis esquecer que os vossos primeiros deveres, sem cumprimento dos quais não podeis esperar cumprir os que a pátria e a família impõem, são os deveres para com a Humanidade. Vossa palavra e vossa obra são para todos, assim como para todos é Deus, no seu amor e na sua Lei. Em qualquer terra que vos acheis, onde quer que um homem combata pelo direito, pelo justo, pelo verdadeiro, aí tereis um irmão; onde quer que um homem sofra atormentado pelo erro, pela injustiça, pela tirania, aí tereis um irmão. Livres e escravos, sede todos irmãos. Uma é a vossa origem, uma a lei, um o fim para todos vós. Seja uma a crença, uma a ação, uma a bandeira sob a qual militeis. Não digais: “A linguagem que falamos é diversa”; as lágrimas, a ação, o martírio, foram uma linguagem comum para todos os homens, que todos vós entendeis. Não digais: “A Humanidade é vasta demais e nós somos muitos fracos”; Deus não mede as forças, mas as intenções. Amai a Humanidade. A cada obra vossa no círculo da Pátria ou da Família perguntai a vós mesmos: Se o que eu faço fosse feito por todos, beneficiaria ou prejudicaria a Humanidade? Se a consciência vos responder: “Prejudicaria”, desisti, mesmo quando vos parecer que da vossa ação possa resultar uma vantagem para a Pátria ou para a Família. Sede apóstolos desta fé, apóstolos da fraternização das Nações e da unidade, hoje admitida em princípio, mas negada de fato, do gênero humano. Sede-o, onde puderdes e como puderdes. Nem Deus nem os homens podem exigir mais de vós. Eu, porém, vos digo que, se assim procederdes, — se assim procederdes, quando não o possais para com outrem, para com vós mesmos, — beneficiareis a Humanidade. Deus mede os graus de educação a que eleva o gênero humano pelo número e pela pureza dos crentes; Quando fordes puros e numerosos, Deus, que vos conta, abrir-vos-á o caminho para a ação.


V
DEVERES PARA COM A PÁTRIA
Os vossos primeiros Deveres, primeiros ao menos em importância, são, como vos disse, para com a Humanidade. Sois homens, antes de serdes cidadãos ou pais.
Mas, que pode cada um de vós, com suas forças isoladas, fazer pelo melhoramento moral, pelo progresso da Humanidade? Podeis exprimir, de vez em quando, esterilmente, a vossa crença; podeis realizar, uma vez ou outra, para com um irmão não pertencente às vossas terras, uma obra de caridade; e nada mais. Ora, a caridade não é a palavra da fé futura. A palavra da fé futura é a associação, a cooperação fraternal para um objetivo comum, tão superior à caridade quanto a obra de muitos dentre vós, que se unem para erguer concordes um edifício para habitardes juntos, é superior à que realizaríeis erguendo cada qual um casebre separado e limitando-vos a trocar uns com os outros o auxílio de pedras, tijolos e cal. Mas, essa obra comum, vós, divididos por idiomas, tendências, costumes, faculdades, não podeis tentá-la. O indivíduo é demasiado fraco e a Humanidade demasiado vasta. Meu Deus, — suplica, ao zarpar, o marinheiro da Bretanha — protegei-me: meu barco é tão pequeno e vosso Oceano tão grande! E essa prece resumirá a condição de cada um de vós, se não se achar um meio de multiplicar indefinidamente as vossas forças, a vossa capacidade de ação. Esse meio, achou-o Deus para vós, quando vos deu uma Pátria, quando, como um sábio diretor de trabalhos, distribuiu os diversos papéis de acordo com a capacidade, repartiu a Humanidade em grupos, em núcleos distintos, sobre a face do nosso globo, e lançou o germe das nações. Os maus governos contrariaram o desígnio de Deus, que podeis ver claramente, pelo menos no que respeita à Europa, nos cursos dos grandes rios, nas curvas das altas montanhas e nas outras condições geográficas: contrariaram-no com a conquista, a avidez, a inveja do justo poder alheio; contrariaram-no tanto que, hoje, fora da Inglaterra e da França, talvez não haja nação cujos limites correspondam a esse desígnio. É que não conheceram e não conhecem Pátria fora da própria família, dinastia, egoísmo de casta. Mas o desígnio divino se realizará inevitavelmente. As divisões naturais, as tendências inatas e espontâneas dos povos substituirão as divisões arbitrárias sancionadas pelos maus governos. O mapa da Europa será refeito. A Pátria do Povo surgirá, defendida pelo voto das livres, sobre as ruínas da Pátria dos reis, das castas privilegiadas. Entre essas pátrias haverá harmonia, fraternidade. E então, o trabalho da Humanidade pelo melhoramento comum, pelo descobrimento e aplicação da própria lei de vida, repartido de acordo com as capacidades locais e associado, poderá realizar-se por via do desenvolvimento progressivo e pacífico: então cada um de vós, forte dos afetos e dos meios de muitos milhões de homens que falam a mesma língua, dotados de tendências uniformes, educados pela mesma tradição histórica, poderá esperar beneficiar com a própria obra toda a Humanidade.
Sem Pátria, não tereis nome, nem senha, nem voto, nem direitos, nem batismo de irmãos entre os povos. Sereis os bastardos da Humanidade. Soldados sem bandeira, israelitas das Nações, não obtereis fé nem proteção: não tereis fiadores. Não vos iludais em realizar, antes de conquistardes uma Pátria, a vossa emancipação de uma injusta condição social: onde não há Pátria, não há pacto comum para o qual possais apelar, reina somente o egoísmo dos interesses, e quem tem predomínio o conserve, pois não há tutela comum à própria tutela. Não vos seduza a idéia de melhorar, sem resolver primeiro a questão nacional, as vossas condições materiais: não podeis triunfar. Vossas associações industriais, as sociedades de mútuo socorro são boas como obra educadora: como fatos econômicos, permanecerão estéreis enquanto não tiverdes uma Itália. O problema econômico exige, principalmente, aumento de capital e de produção; e, enquanto o vosso país estiver desmembrado em frações, enquanto, separados por linhas aduaneiras e dificuldades artificiais de toda sorte, só tiverdes mercados restritos diante de vós, não podereis esperar esse aumento. Hoje — não vos iludais — não sois a classe operária da Itália: sois frações dessa classe, impotentes, desiguais no grande objetivo que vos propondes. Vossa emancipação só poderá iniciar-se praticamente quando um Governo Nacional, compreendendo os sinais dos tempos, tiver inscrito, em Roma, na Declaração de Princípios que será norma do desenvolvimento da vida italiana, estas palavras: O trabalho é sagrado e é a fonte da riqueza da Itália.
Não vos desencaminheis, pois, empós de esperanças de progresso material, que nas vossas condições de hoje não passam de ilusões. Somente a Pátria, a vasta e rica Pátria Italiana, que se estende dos Alpes à última terra da Sicília, pode realizar essas esperanças. Só podeis obter o que é vosso direito, obedecendo ao que vos ordena o Dever. Mereceis e tereis. Meus irmãos! Amai a Pátria. A Pátria é a nossa casa: a casa que Deus nos deu, pondo-nos dentro de uma numerosa família que nos ama e que nós amamos, com a qual podemos entender-nos melhor e mais rapidamente do que com outros, e que, pela concentração sobre um dado território e pela natureza homogênea dos elementos que possui, é chamada a um gênero especial de ação. A Pátria é a nossa oficina: os produtos da nossa atividade devem dela transbordar em benefício de toda a terra; mas, os instrumentos de trabalho que melhor e mais eficazmente podemos manejar se encontram nela, e não podemos renunciar a eles sem trair a intenção de Deus e sem diminuir as nossas forças. Trabalhando pela Pátria, segundo os verdadeiros princípios, trabalharemos pela Humanidade: a Pátria é o ponto de apoio da alavanca que devemos dirigir em proveito comum. Perdendo esse ponto de apoio, correremos o risco de tornar-nos inúteis à Pátria e à Humanidade. Antes de associar-nos com as Nações que compõem a Humanidade, precisamos existir como Nação. Só há associação entre os iguais; e vós não tendes existência coletiva reconhecida.
A Pátria é uma comunhão de livres e de iguais irmanados em concórdia de trabalho para um fim único. Deveis fazê-la e mantê-la como tal. A Pátria não é um agregado, é uma associação. Não há, pois, verdadeira Pátria sem um Direito uniforme. Não há Pátria onde a uniformidade desse Direito é violada pela existência de castas, privilégios, desigualdades. Onde a atividade de uma porção das forças e faculdades individuais é cancelada ou adormecida, onde não há princípio comum aceito, reconhecido, desenvolvido por todos, não há Nação, nem povo, mas multidão, aglomeração fortuita de homens que as circunstâncias reuniram, que circunstâncias diversas separarão. Em nome do vosso amor à Pátria, combatereis sem tréguas a existência de todo privilégio, de toda desigualdade sobre o solo que vos deu vida. Um só privilégio é legítimo: o privilégio do Gênio, quando o Gênio aparece irmanado com a Virtude; mas, é um privilégio concedido por Deus e não pelos homens — e, ao reconhecê-lo, seguindo-lhe as inspirações, vós o reconheceis livremente, exercendo vossa razão, vossa preferência. Qualquer privilégio que pretenda vossa submissão em virtude da força, da herança de um direito que não seja direito comum, é usurpação, é tirania que deveis combater e extinguir. A Pátria deve ser o vosso Templo. Deus no vértice, um povo de iguais na base; não tenhais outra fórmula, outra Lei moral, se não quiserdes desonrar a Pátria e a vós mesmos. As Leis secundárias que devem continuamente regular vossa vida devem ser a aplicação progressiva dessa Lei Suprema.
E, para que o sejam, é necessário que todos contribuam para fazê-las. As leis feitas por uma única fração de cidadãos só podem, por natureza das coisas e dos homens, refletir o pensamento, as aspirações e os desejos dessa fração: representam, não a Pátria, mas um terço, um quarto, uma classe, uma zona da pátria. A lei deve exprimir a aspiração geral, promover a utilidade de todos, responder ao palpitar do coração nacional. A Nação inteira deve ser, pois, direta ou indiretamente, legisladora. Cedendo a alguns homens essa missão, substituís pelo egoísmo de uma classe a Pátria que é a união de todas.
A Pátria não é um território; o território é apenas a base. A Pátria é a idéia que surge sobre aquele; é o pensamento de amor, o senso de comunhão que reúne num só todos os filhos desse território. Enquanto um só dentre os vossos irmãos não estiver representado pelo próprio voto no desenvolvimento da vida nacional; enquanto um só vegetar ineducado entre os educados; enquanto um só, desejoso de trabalho, definhar sem trabalho na miséria, — não tereis a Pátria como devereis tê-la, a Pátria de todos, a Pátria para todos. O voto, a educação, o trabalho, são as três colunas fundamentais da Nação; não descanseis enquanto não estiverem, por obra vossa, solidamente levantadas.
A política da Pátria basear-se-á, por obra vossa, na adoração aos princípios, e não na idolatria do Interesse e da Oportunidade. A Europa tem países nos quais a Liberdade é sagrada no interior, mas sistematicamente violada no exterior. Povos que dizem: Uma coisa é a Verdade, outra a Utilidade; uma coisa é a teoria, outra coisa é a prática. Esses países expiarão sua culpa, e por muito tempo, inevitavelmente, no isolamento, na opressão e na anarquia. Vós, porém, sabeis qual é a missão da nossa Pátria e seguireis outro caminho. Para vós, a Itália terá, assim como um só Deus nos céus, uma só verdade, uma só fé, uma só norma de vida política sobre a terra. No edifício que o povo da Itália erguerá mais sublime do que o Campidoglio e o Vaticano, plantareis a bandeira da Liberdade e da Associação, para que refulja aos olhos de todas as Nações, pois jamais a ocultaríeis por terror dos déspotas ou pela ambição dos interesses de um dia. Tereis audácia e fé. Confessareis bem alto o pensamento que fermenta no coração da Itália, perante o mundo e perante aqueles que se dizem senhores do mundo. Jamais renegareis as Nações irmãs. A vida da Pátria desenvolver-se-á, por vós, bela e forte, livre de temores servis e céticas hesitações, conservando como base o povo, como norma as conseqüências dos seus princípios, logicamente deduzidas e energicamente aplicadas, como força a força de todos, como resultado o melhoramento de todos, como fim o cumprimento da missão que Deus lhe confiou. E, como estareis prontos a morrer pela Humanidade, a vida da Pátria será imortal.


VI
DEVERES PARA COM A FAMÍLIA
A família é a Pátria do coração. Há um anjo na Família que, com uma misteriosa influência de graças, doçura e amor, torna o cumprimento dos deveres menos árido, e os sofrimentos menos amargos. As únicas alegrias puras e isentas de tristeza que ao homem é dado gozar na terra são, mercê desse Anjo, as alegrias da Família. Quem, por fatalidade de circunstâncias, não pôde viver sob as asas desse Anjo, a vida serena da família, tem uma sombra de melancolia estendida sobre a alma, um vazio que nada enche no coração: e eu, que escrevo para vós estas páginas, o sei. Bendizei a Deus, que criou esse Anjo, ó vós que tendes as alegrias e as consolações da Família.
O Anjo da Família é a Mulher. Mãe, esposa, irmã, a Mulher é a carícia da vida, a suavidade do afeto difundida sobre suas fadigas, um reflexo sobre o indivíduo da Providência amorável que vela sobre a Humanidade. Nela se encerram tesouros de consoladora doçura, que bastam para aliviar qualquer sofrimento. E ela é, além disso, para cada um de nós, a iniciadora do futuro. O primeiro beijo materno ensina à criança o amor. O primeiro beijo sagrado da amiga ensina ao homem a esperança, a fé na vida; e o amor e a fé criam o desejo do melhor, o poder de alcançá-lo gradativamente, o futuro em suma, cujo símbolo vivo é a criança, liame entre nós e as gerações futuras. Por ela, a Família, com o seu Mistério divino de reprodução, acena à eternidade.
A Família é conceito de Deus, não vosso. Como a Pátria, muito mais do que a Pátria, a Família é um elemento de vida.
Eu disse que muito mais do que a Pátria. A Pátria, sagrada hoje em dia, talvez ainda desapareça quando todo homem refletir, na própria consciência, a lei moral da Humanidade; a Família durará enquanto durar o homem. Ela é o berço da Humanidade. Como todo elemento da vida humana, ela deve ser aberta ao Progresso, melhorar de época em época suas tendências, suas aspirações; ninguém, porém, poderá destruí-la.
Fazer a família cada vez mais santa e cada vez mais ligada à Pátria, eis a vossa missão. O que a Pátria é para a Humanidade, a Família deve ser para a Pátria. Assim como vos disse que o papel da Pátria é educar os homens, assim, também, o papel da Família é educar os cidadãos: Família e Pátria são os dois pontos extremos de uma linha única. E onde não é assim, a Família torna-se Egoísmo, tanto mais repulsivo e brutal quanto mais prostitui, desviando-a do verdadeiro alvo, a coisa mais santa, os afetos.
Amai, respeitai a mulher. Não busqueis nela somente um conforto, mas uma força, uma inspiração, um redobramento das vossas faculdades intelectuais e morais. Eliminai da vossa mente toda idéia de superioridade: não tendes nenhuma. Um velho preconceito criou, através de uma educação desigual e uma perene opressão das leis, essa aparente inferioridade intelectual com a qual hoje se argumenta para manter a opressão. Mas, a história das opressões não vos ensina que quem oprime se apoia sempre num fato criado por ele próprio? As castas feudais proibiram a vós, filhos do povo, até quase os nossos dias, a educação, e em seguida, com a falta de educação, argumentaram e argumentam ainda hoje, para excluir-vos do santuário da cidade, do recinto onde se fazem as leis, do direito de voto que inicia a vossa missão social. Perante Deus Uno e Pai, não há homem nem mulher, mas o ser humano, o ser no qual, sob o aspecto de homem ou de mulher, se encontram todos os caracteres que distinguem a humanidade da ordem dos animais: tendência social, capacidade de educação, faculdade de progresso. Onde quer que se revelem esses caracteres, existe uma natureza humana e, portanto, igualdade de direitos e deveres. Como dois ramos que partem distintos de um mesmo tronco, o homem e a mulher partem, diferentes, de uma base comum, que é a humanidade. Não existe desigualdade entre ambos, e sim, como muitas vezes sucede entre dois homens, diversidade de tendências, de vocações especiais. Duas notas de um acorde musical serão desiguais ou de natureza diversa? A mulher e o homem são as duas notas sem as quais o acorde humano se torna impossível. Terão deveres e direitos gerais diversos dois povos chamados, por suas tendências especiais ou pelas condições em que vivem, um a difundir o pensamento da associação humana por meio de colônias, outro a pregá-lo com a produção de obras-primas de arte ou de literatura universalmente admiradas? Ambos esses povos são apóstolos, conscientemente ou não, do mesmo conceito divino, iguais e irmãos nele. O homem e a mulher têm, como esses dois povos, funções distintas na Humanidade; mas, essas funções são igualmente sagradas, necessárias ao desenvolvimento comum.
Amai os filhos que a providência vos manda; mas, amai-os com verdadeiro, profundo e severo amor; não com o amor desfibrado, irrazoável, cego, que é egoísmo para vós e ruína para eles. Em nome do que há de mais sagrado, não esqueçais nunca que tendes ao vosso cuidado as gerações futuras, que tendes para com essas almas que vos foram confiadas, para com a Humanidade, para com Deus, a mais tremenda responsabilidade que o ser humano pode conhecer: deveis iniciá-las, não nas alegrias ou nas ambições da vida, mas na vida mesma, nos seus deveres, na Lei Moral que a governa. Falai-lhes da Pátria, do que ela foi, do que deve ser. Quando, à noite, entre o sorriso da mãe e a ingênua tagarelice das crianças sentadas sobre os vossos joelhos, esquecerdes as fadigas do dia, narrai-lhes os grandes feitos dos homens do povo das nossas antigas repúblicas; ensinai-lhes os nomes dos bons que amaram a Itália e o seu povo e, por uma vida de amargura, de calúnias e de perseguições, tentaram melhorar-lhe os destinos. Instilai-lhes nos jovens corações, não o ódio contra os opressores, mas a energia de propósitos contra a opressão. Aprendam eles dos vossos lábios e do tranqüilo assenso materno, quanto é belo seguir o caminho da Virtude, e grandioso criar Apóstolos da Verdade, e santo o sacrificar-se, quando preciso, pelos próprios irmãos. Infundi-lhes nas mentes tenras, juntamente com os germes da rebelião contra toda autoridade usurpada e sustentada pela força, a reverência pela única e verdadeira Autoridade: a autoridade da Virtude coroada pelo Gênio. Fazei que cresçam igualmente inimigos da tirania e da amargura, na religião da consciência inspirada, não imposta pela tradição. A Nação deve ajudar-vos nessa obra. E vós tendes, em nome dos vossos filhos, o direito de exigi-lo. Sem Educação Nacional, não existe verdadeira Nação.
Amai vossos pais. Jamais a Família que procede de vós vos faça esquecer a família da qual procedeis. Muitas vezes, infelizmente, os novos vínculos afrouxam os antigos, quando deveriam ser um novo elo na cadeia de amor que deve ligar três gerações da Família. Circundai de afetos ternos e respeitosos, até o último dia, as cabeças encanecidas da mãe, do pai. Enchei-lhes de flores o caminho do túmulo. Difundi, com a continuidade do amor, sobre suas almas cansadas, um perfume de fé e imortalidade. E o afeto pelos pais, que conservais inviolado, vos seja penhor do afeto que vos reservarão os que nascerem de vós.


VII
DEVERES PARA CONSIGO MESMO
 Preliminares
Eu vos disse: Tendes vida: tendes, pois, uma lei de vida... Desenvolver-vos, agir, viver segundo vossa lei — eis o primeiro, ou antes, o único Dever vosso.
Dificilmente podeis hoje interrogar sobre o dever a grande voz que a Humanidade vos transmite através da História: faltam-vos, até agora, bons livros séria e popularmente escritos, e falta-vos tempo; mas, os homens que, por engenho e consciência, melhor representam, para mais de meio século, os estudos históricos e a ciência da Humanidade, obtiveram dessa voz alguns caracteres da nossa Lei de Vida; obtiveram que a natureza humana é essencialmente educável, essencialmente social; obtiveram que assim como não existe nem pode existir mais do que um Deus, assim também não existe nem pode existir mais do que uma lei para o homem individual e para a Humanidade coletiva; obtiveram que o caracter fundamental, universal dessa Lei é o Progresso. Dessas verdades, decorrem todos os vossos deveres para com vós mesmos, e decorrem também os vossos direitos, os quais se resumem em um: o direito de não serdes absolutamente impedidos e o de serdes, dentro de certos limites, ajudados no cumprimento dos vossos deveres.
Sois e vos sentis livres, Todos os sofismas de uma lamentável filosofia que pretendesse substituir a consciência humana por uma doutrina de não sei que fatalismo, não bastam para anular dois testemunhos invencíveis em favor da liberdade: o remorso e o martírio. De Sócrates a Jesus, de Jesus aos homens que morrem a cada passo pela Pátria, os mártires de uma Fé protestam contra essa servil doutrina, gritando-vos: “Amávamos a vida; amávamos seres que no-la tornavam cara e que nos suplicavam que desistíssemos; todos os impulsos do nosso coração diziam: Vive! a cada um de nós, mas, para salvação das gerações futuras, preferimos morrer”.
Sois educáveis. Existe em cada um de vós uma soma de faculdades, de capacidades intelectuais, de tendências morais, às quais somente a educação pode dar movimento e vida, e que, sem ela, permaneceriam estéreis, inertes, só se revelando em lampejos sem desenvolvimento regular.
A educação é o pão da alma. Assim como a vida física, orgânica, não pode crescer e desenvolver-se sem alimentos, assim também a vida moral, intelectual, tem necessidade, para ampliar-se e manifestar-se, das influências externas e de assimilar parte ao menos das idéias, dos afetos, das tendências alheias. A vida do indivíduo eleva-se, como a planta, variedade dotada de existência própria e de caracteres especiais, sobre o terreno comum, nutre-se dos elementos da vida comum. O indivíduo é um rebento da Humanidade e alimenta e renova as próprias forças nas suas.
E, para que essa obra educadora se realizasse mais rapidamente, para que a vossa vida individual se ligasse mais certa e intimamente com a vida coletiva de todos, Deus vos fez seres essencialmente sociáveis. Todo ser inferior a vós pode viver por si, sem outra comunhão além da que tem com a natureza e com os elementos do mundo físico; vós não o podeis. Tendes a cada passo necessidade dos vossos irmãos; e não podeis satisfazer as mais simples necessidades da vida sem recorrer ao seu trabalho. Superiores a qualquer outro ser, mercê da associação com os vossos semelhantes, sois, quando isolados, inferiores em força a muitos animais, fracos e incapazes de desenvolvimento e de plena vida. As mais nobres aspirações do vosso coração, como o amor à Pátria, e também as menos virtuosas, como o desejo de glória e do louvor alheio, revelam vossa tendência para identificar vossa vida com a vida dos milhões que vivem ao vosso redor. Sois, pois, chamados à associação. Ela centuplica as vossas forças: torna vossas as idéias alheias, vosso o alheio progresso; e eleva, melhora e santifica a vossa natureza com os afetos e com o sentimento crescente da unidade da família humana.
Sois, finalmente, seres progressivos.
A palavra Progresso, ignorada entre os antigos, será doravante uma palavra sagrada para a Humanidade. Encerra toda uma transformação social, política, religiosa.
A antigüidade, os homens das velhas religiões orientais e do paganismo, acreditavam no Destino, no Acaso, num Poder oculto, ininteligível, senhor arbitrário das coisas humanas, criador e destruidor alternativamente, sem que o homem pudesse compreender-lhe, promover-lhe ou acelerar-lhe as necessidades. Consideravam o homem impotente para fundar algo de durável, permanente, sobre a terra. A conseqüência de tais doutrinas era uma tendência para aceitar os fatos predominantes sem cuidar ou esperar mudá-los. Onde as circunstâncias tinham implantado uma forma republicana, os homens daquela época eram republicanos; onde dominava o despotismo, eram escravos alheios ao progresso e submissos. Mas depois que por toda parte, sob a forma republicana como sob a tirania, encontraram dividida a família humana, ou em quatro castas, como no Oriente, ou em duas, de cidadãos livres e de escravos, como na Grécia, aceitaram a divisão das castas ou a crença em duas naturezas diversas de homens; e aceitaram-na as mais poderosas inteligências do mundo grego: Platão e Aristóteles. A emancipação da vossa classe era, para esses homens, impossível.
Os homens que fundaram, sobre a palavra de Jesus, uma Religião superior a todas as crenças do velho Oriente e do Paganismo, entreviram, não conquistaram, a santa idéia contida nesta palavra: Progresso. Compreenderam a unidade da raça humana, compreenderam a unidade da lei, compreenderam o dever de aperfeiçoamento do homem: não compreenderam o poder dado por Deus ao homem para cumpri-lo, nem a via pela qual se cumpre. Limitaram-se, contudo, a deduzir as normas da vida da contemplação do indivíduo: a Humanidade, como corpo coletivo, continuou ignorada.
Todo o edifício das crenças que sucederam ao Paganismo repousa, de qualquer modo, sobre as bases acima indicadas. É claro que nem sobre estas podia fundar-se a vossa emancipação aqui na terra.
Cerca de mil e trezentos anos depois das palavras de Jesus, um homem, italiano, o maior dentre os italianos que eu conheci, escreveu as verdades seguintes: “Deus é uno; o Universo é um pensamento de Deus; o Universo é, pois, também uno. Todas as coisas vêm de Deus. Todas participam, mais ou menos, da natureza divina, conforme o fim para o qual são criadas. O homem é nobilíssimo entre todas as coisas: Deus verteu nele mais de sua natureza do que sobre as outras. Toda coisa que vem de Deus tende ao aperfeiçoamento do qual é capaz. A capacidade de aperfeiçoamento no homem é indefinida. A Humanidade é una. Deus não fez nada inútil; e, assim como existe uma Humanidade, assim também deve existir um objetivo único para todos os homens, um trabalho que deve ser realizado por obra de todos. O gênero humano deve, pois, trabalhar unido, de modo que todas as forças intelectuais nele difundidas, obtenham o mais alto desenvolvimento possível na esfera do pensamento e da ação. Existe, pois, uma Religião universal da natureza humana.”
O homem que escreveu essas idéias chamava-se Dante. Toda cidade da Itália, quando a Itália for livre e una, deveria erguer-lhe uma estátua, porque essas idéias contêm em germe a Religião do Futuro. Ele escreveu-as em livros latinos e italianos.
O germe lançado por Dante frutificou. Recebido e fecundado constantemente por inteligências poderosas, desenvolveu-se em planta no fim do século passado. A idéia do Progresso, como Lei da Vida, aceita, desenvolvida, verificada na História, confirmada pela ciência, tornou-se bandeira do futuro. Hoje, não há engenho severo que a não ponha como base dos seus trabalhos.
Hoje, sabemos que a lei da Vida é o Progresso; progresso para o indivíduo, progresso para a Humanidade. A Humanidade cumpre essa Lei na terra; o indivíduo, na terra e fora dela. Um só Deus; uma só Lei. Essa Lei se cumpre lentamente, inevitavelmente, na Humanidade, desde o seu primeiro nascimento. A verdade jamais se manifestou toda ou de golpe. Uma revelação contínua manifesta, de época em época, um fragmento da Verdade, uma palavra da Lei. Cada uma dessas palavras modifica profundamente, no caminho do Melhor, a vida humana, e constitui uma crença, uma Fé. O desenvolvimento da Idéia religiosa é, pois, indefinidamente progressivo; e, como colunas de um templo, as crenças sucessivas, desenvolvendo e purificando cada vez mais essa Idéia, constituirão um dia o Panteon.
São essas algumas das verdades contidas na palavra Progresso, da qual sairá a Religião do Futuro. Somente nela pode realizar-se a vossa emancipação.


VIII
LIBERDADE
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IX
EDUCAÇÃO
[...]



X
ASSOCIAÇÃO — PROGRESSO
[...]



XI
QUESTÃO ECONÔMICA
[...]



CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA:
Cavalcante, Sergio - Rito Escocês Antigo e Aceito - Rituais de 1804. 
REFERENCIAS:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/mazzini.html

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